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Ser pobre é cool

Época estranha, para dizer o mínimo, esta em que estamos vivendo. A busca pelo condomínio residencial mais bacana, pelo carro dos sonhos, pela carreira bem paga e respeitada, pelo cônjuge de catálogo, pelos filhos perfeitos, pela silhueta da hora, pelas roupas de grife e pelas viagens mais desejadas – um estilo classe média com aspiração de rico que está ficando cada vez mais difícil de bancar e pouco divertido de usar, até para quem pode, pelo preço que se paga. O jeito então é andar na contramão como quem foge de feriados longos e das praias apinhadas de gente. Ser simples e low profile é a grande sacada. Não é preciso morar na favela nem virar contraventor, mas se aproximar do povo simples e fazer parte dele para ganhar autenticidade. Ter uma casinha confortável com um jardim e uma horta cuidados com carinho, comprar o pão naquele armazém da rua e conversar com os vizinhos, passear com o cachorro e fazer amizades com as pessoas nas ruas e praças, trocar receitas com os...

O fator Benicio

Sem nenhum preâmbulo, tia Zaíra me diz em meio à muvuca que tomara conta do galpão crioulo no Rancho da Condessa, “a minha família é mesmo incomum”. Falou tudo e falou bem. Os Benicios são descendentes de um tronco comum que mantém o hábito de se visitar e de se curtir como família há quatro gerações, no mínimo. E não é pouca gente. Na conjunção Benicio da Fonseca entram famílias de vários estados brasileiros, principalmente na conexão Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Todos se acompanharam crescer, casar, ter filhos, separar, casar de novo, agregar novos filhos, e depois os netos chegando, crescendo e a tribo aumentando e se espraiando. E o fenômeno é autêntico, todos os primos veneram seus tios e tias que, por sua vez adoram receber e retribuir este carinho, assim vai se transmitindo o costume aos quem vêm depois. Neca e eu nos tornamos agregados desta família, um privilégio que muito apreciamos. A convivência está fechando vinte anos e se torna ca...

Ao patrocinador

A quem se interessar em ser o mecenas da minha felicidade. Sou uma pessoa de bem com a vida, mantenho pequenos vícios sem culpa e gosto muito daquelas pessoas que considero essenciais no roteiro da minha existência, sendo capaz de quaisquer sacrifícios para ter a satisfação de vê-las bem e felizes. Considero meus amigos um patrimônio intangível de primeira grandeza e, embora tenha um visceral estilo low profile, gosto da minha profissão. Dito isto, devo dizer que não tenho aquele tipo de sonho "coisas para fazer ou lugares para visitar antes de morrer". Se der eu faço, se puder eu vou, mas se não for possível eu me garanto feliz com o que está ao meu alcance, indo até onde meu carro me levar e aonde minha intuição apontar. Não sou conformado, apenas não gosto de ser programado. Então, após um cálculo bastante heterodoxo, estabeleci que o valor do meu patrocínio para seguir despreocupado, além de feliz que já sou, é de 1 milhão e 400 mil reais, que aceito receber em m...

A última jornada

A morte levou meu pai no auge da sua juventude, tinha 33 anos quando foi vitimado por uma leucemia severa, impedindo que acompanhasse o crescimento dos filhos, eu com dois anos e meio e meu irmão com pouco mais de um ano. Para compensar, a vida me deu duas mães. Lorita, minha mãe biológica, lutadora incansável que sempre superou suas limitações financeiras para dar uma vida decente e um futuro melhor para seus filhos e netos. E Zenóbia, minha sogra, que por quase três décadas morou comigo e minha esposa, uma convivência rica e tumultuada, provando que algumas pessoas têm uma forma rara de afinidade natural, capaz de transformar rusgas em cumplicidade. Em 2013, as matriarcas da minha vida entraram em colapso, sendo internadas em residenciais para idosos quase ao mesmo tempo. Lorita em Gramado e Zenóbia em Porto Alegre. Minha mãe, embora mais jovem, 77 anos, atingiu um estágio avançado e terminal do Mal de Parkinson, aprisionada em uma cadeira de rodas, necessita de cu...

2013

Os maias previram o fim de um ciclo para o final de 2012. Milhares de leituras e interpretações do calendário maia pipocaram através da web, em publicações impressas, documentários e rodas de conversas pelo mundo. Enfim, o sol se pôs na data limite e amanheceu no dia seguinte a despeito de tudo. Mas vamos admitir que 2013 está sendo um ano punk. Aqui no sul começou com a tragédia de Santa Maria e depois foi a vez do Mercado Público de Porto Alegre, duas vezes com o fogo sendo o elemento do terror. Falo com conhecidos e amigos, ouvindo relatos de um ano difícil, a economia emperrada às vésperas da Copa do Mundo, o pessoal da hotelaria desestimulado com o que seria o grande ano da véspera. Manifestações gigantescas com o povo nas ruas desmascarando a imagem do país que se dizia a grande efervescência de prosperidade, liberdade e grandes perspectivas. O milionário símbolo da pujança nacional afundando vertiginosamente na cotação das bolsas, simbolizando a fragilidade do f...

Juno

Os gatos estão na moda. Então é hora da falar da Juno, a gatinha branca com manchas arredondadas de cinza e preto que tomou conta da minha casa. Foi adotada da rua, ainda filhote. Passou pela necessária triagem dos abandonados e afora um desarranjo, já instalado, foi considerada lépida e faceira para conhecer o Fidélis e o Panzer. Conta minha mulher, que Juno a procurou no primeiro contato, se roçou e ronronou para garantir seu greencard na casa dos animais felizes, Lotação completa, Juno preencheu a única vaga em aberto. Já se passam mais de dois anos e ela se transformou na grande diva do pedaço. Com meu pastor-alemão tem uma relação que beira o namoro impossível entre a bela e a fera, mas a considerar o seu domínio sobre o lobo gigantesco, a fera é ela. Com Fidélis, o exótico de 13 anos, construiu uma convivência transformadora. Seu poder de atração fez o velho gatinho, quase autista, voltar a brincar de pega-pega, quando ela dá verdadeiras piruetas em torno d...

A favor de Pedro

Faz pouco tempo que compreendi como foi que São Pedro ficou com as chaves da Santa Igreja, tendo negado conhecer o Cristo por três vezes na noite em que os romanos iniciaram as autuações, da então provavelmente batizada, Operação Crucifixo. Amarelou? Essa foi a imagem que ficou estampada nos textos dos apóstolos que redigiram o Novo Testamento, e eram quatro fontes diferentes, depois vieram os padres e a repetiram infinitamente, mesmo assim o prestígio de Pedro se manteve intacto. É preciso admitir que o guardião do céu é também uma receita perfeita do módulo católico de resgate e perdão: neguei, me arrependi e agora dedico o que resta das minhas forças para construir a Sua glória. Assim, assumindo o lado capitalista da força, se tornou o primeiro ministro eterno do mestre supremo. Mas tornou-se um santo distante das pessoas, é homenageado secularmente ao se batizarem estados geopolíticos, aqui mesmo habitamos a Província de São Pedro, ou para identificar escolas, igre...