Pular para o conteúdo principal

Juno

Os gatos estão na moda.
Então é hora da falar da Juno, a gatinha branca com manchas arredondadas de cinza e preto que tomou conta da minha casa.
Foi adotada da rua, ainda filhote.
Passou pela necessária triagem dos abandonados e afora um desarranjo, já instalado, foi considerada lépida e faceira para conhecer o Fidélis e o Panzer.

Conta minha mulher, que Juno a procurou no primeiro contato, se roçou e ronronou para garantir seu greencard na casa dos animais felizes,
Lotação completa, Juno preencheu a única vaga em aberto.

Já se passam mais de dois anos e ela se transformou na grande diva do pedaço.
Com meu pastor-alemão tem uma relação que beira o namoro impossível entre a bela e a fera, mas a considerar o seu domínio sobre o lobo gigantesco, a fera é ela.
Com Fidélis, o exótico de 13 anos, construiu uma convivência transformadora.
Seu poder de atração fez o velho gatinho, quase autista, voltar a brincar de pega-pega, quando ela dá verdadeiras piruetas em torno do ancião.
Sedutora, às vezes faz o velhinho cortejá-la sem ele que se dê conta da sua idade e da castração que deveria ter apagado os seus impulsos reprodutivos.

Com minha esposa a Juno tem uma conexão que lembra as estórias encantadas.
Segue a Neca pela casa, atende os chamados como se fosse um cão, assiste tevê e prefere documentários sobre a natureza, joga candy crush, brinca de acertar o pote onde sua bolinha está escondida, naquele truque em que se mudam três potes de boca pra baixo, e adora suas bolinhas de pano costuradas por sua dona, pequenos fuxicos estampados que ela não se cansa de carregar na boca.
É como se fosse uma pequena onça carregando a caça.

Este gosto foi influenciado pela Mariana, nossa amiga, que fez a bolinha original para decorar um lápis como lembrancinha da festa de aniversário da Clara.
A Juno passava horas namorando a peça, toda em petitpoá branco sobre o vermelho, até o dia em que a bolinha se soltou do lápis.
Pronto, a vida da Juno ganhou um novo sentido e a Neca passou a fazer bolinhas com frequência para repor às desaparecidas.
A cada faxina ressurgem algumas, mas a primeira sumiu eternamente.

A noite sobem juntas para dormir e quando sou admitido no mesmo leito, sempre acabo recebendo os beijinhos gelados desta verdadeira aristogata, mas depois dos afagos ela vai se aninhar junto aos pés da Neca, dormindo a sono solto.
Além de perseguir e caçar bolinhas de pano, a segunda atividade preferida pela Juno é ficar no parapeito da janela frontal da casa observando o movimento através do vidro.
Só uma coisa do mundo a tira do sério: secadores de cabelo ligados.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Chamem David!

Afora ser um dos maiores talentos da pintura francesa de todos os tempos, Jacques Louis David foi sem dúvida o de maior presença nos eventos que mexeram com a vida dos franceses entre a Revolução Francesa e o Império de Napoleão Bonaparte. Um talento que sobreviveu ao seu tempo, mas sob um crivo mais severo: um artista chapa branca. Capaz de aderir a qualquer governo ou ideologia. David retratou as batalhas e símbolos dos anos de afirmação da Revolução Francesa, tão importante que quando alguma coisa espetacular estava por acontecer e merecia um registro pictórico, alguém do núcleo de Robespierre bradava: “chamem David!”. Retratou a morte de Jean Marat de forma esplêndida e, de um jeito que só ele sabia fazer, escapou da guilhotina quando seu protetor Robespierre foi condenado. Caiu nas graças de Napoleão e virou o pintor oficial do novo imperador. Seguiu sendo o pintor oficial da França até que Luís XVIII, irmão do decapitado Luís XVI, assumiu o comando da nação após o e

Em busca do vazio

A virada do século 19 para o século 20 foi um período de invejável criação literária, enquanto a ciência e a indústria viviam eufóricos dias de glória e extravagâncias. As festas boêmias eram regadas com absinto destilado, também utilizado pela medicina neste período, mas entre os boêmios aristocratas, os escritores e artistas, o absinto ganhou contornos de droga da moda, sendo largamente consumido nas grandes cidades européias como Londres, Viena, Praga e, intensamente, na Paris da Belle Époque. Não por acaso, seus usuários passaram a denominá-lo de “a fada verde”, devido ao seu mágico poder de ampliar as portas da percepção. Bem verdade que essa galera agregava ao absinto um parceiro poderoso, o láudano extraído da papoula. Recentemente tive a oportunidade de degustar uma dose de absinto. Absinto produzido em Praga, que meus amigos Fábio e Márcia trouxeram na bagagem de retorno da sua viagem por cidades do antigo Império Austro-Húngaro, em 2011. Reservaram a garrafa pa

República do Marais

Passei minha vida administrando muito pouco dinheiro, quando não à beira da mais pura dureza, portanto nunca projetei muitas viagens que não fossem terrestres. Conheço pessoas que amam viajar, quanto mais melhor, e para lugares bem diversos dentro do país ou ao redor do planeta. São descolados, aventureiros e até esportistas, gente que habita aeroportos e hotéis nos quatro cantos do mundo. Muitos viajam por razões profissionais, de forma mais ou menos frequente, enfim é um povo acostumado às viagens, aos diversos climas e fuso-horários. No meu caso, toda viagem é uma tortura que inicia à medida que sua data aproxima. Sou entocado, gosto de ficar em casa e sair de automóvel por perto para voltar logo.  Detesto voar. Sem falar nas esperas em aeroportos. Mas se o destino for Paris, gasto meu último tostão e suporto tudo com resignação. Nos últimos cinco anos, por 17 dias anuais, o bairro do Marais é meu lar em Paris. Isto é simplesmente mágico, o velho casario da Rue Charlot,