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Coxinha(s)

Meus impagáveis amigos Giuliano e Mariana me falaram de uma expressão magnífica que eu desconhecia por completo. Trata-se da “pessoa coxinha”. Coxinhas são aquelas criaturas obsessivamente esforçadas em parecer descoladas e de uma categoria, de gosto e consumo, bem acima da plebe rude. Um homem coxinha não leva seu carro para revisão, aguarda o funcionário da concessionária que virá buscar o seu Mini Cooper. Ele não se refere ao uso do tablet e sim ao seu i-Pad. Celular só se for i-Phone. Quando todos resolvem passar o revellion em Floripa, o coxinha já estará em Punta. Coxinha não faz poupança, compra ações e acompanha o índice da Nasdaq. Enfim, coxinha é o cara arrumadinho, isolado, cabelinho cheio de gel especial, sempre preocupado com segurança e que se vê diferente dos outros mortais. Muito melhor, é claro. Ao que tudo indica a expressão nasceu em São Paulo e aparece com as conotações atuais por cerca de uma década. É depreciativa desde as origens. Há susp...

Aquela mulher

Para quem acha que Lady Di foi a personalidade mais incômoda na vida da corte inglesa, precisa conhecer a história de uma moça chamada Wallis Simpson. Ela já surgiu incendiando os tablóides ingleses quando apareceu namorando Edward VIII, sucessor do Rei George V, da Casa de Windsor, ou seja, da Família Real Inglesa. A má fama de Wallis provém da sua condição de mulher fatal, com relações políticas perigosas para sua época, a década de 1930, e seu profuso contato com o undergroung londrino. Quando conheceu Edward, Wallis ainda era casada e carregava o sobrenome do maridão Ernest Simpson , na verdade ex, já privado daquele corpo esguio de longas pernas torneadas. Ela andava à solta pela vibe da capital britânica, uma tribo de endinheirados devassos, nobres levados da breca, artistas, escritores e outros amantes do rendez-vouz sofisticado. O impacto da sua imagem ameaçadora sobre a classe alta inglesa, que amava o herdeiro do trono pela sua jovialidade, elegância e esport...

Verão macabro

Após ouvir atentamente os instigantes comentários da Neca, minha mulher, empolgada com a vida incomum da escritora inglesa Mary Shelley, fui assistir a um documentário da BBC sobre a criação do romance Frankenstein, obra urdida sobre sonhos perturbadores da autora e instigada a partir de uma brincadeira entre amigos, não menos excêntricos, no verão de 1816. O livro foi publicado pela primeira vez no ano de 1818 com o título Frankenstein: or the Modern Prometheus, anonimamente. Não era fácil para uma mulher jovem, apenas 21 anos, assinar um enredo tão mórbido e inquietante, no início do século XIX. Mas Mary Shelley não era apenas uma jovem de talento brilhante e atormentada por visões monstruosas da ciência em sua obsessão datada por desvendar os segredos da morte e de promover a restauração da vida em corpos inertes. Mary era filha de intelectuais famosos e muito adiantados para o pensamento da sua geração, o filósofo e novelista William Godwin e a pedagoga Mary Wollstonecraf...

Incompreendidos

Entre os profissionais mais incompreendidos do mercado está o publicitário. A começar pela múltipla possibilidade de funções associadas à sua atividade. Publicitário pode ser um estrategista de comunicação, um artista da imagem, um escritor a serviço da marca, um especialista em mídias, um grande negociador de verbas e de compras de audiência, um produtor de peças gráficas ou eletrônicas, incluindo um contêiner de outras coisas em meios off-line e on-line. Alguém já viu greve de publicitário? Começa por aí, é uma profissão sem rede de segurança. Ao primeiro sinal de adversidade financeira cortam-se as verbas publicitárias. No cliente as mazelas se multiplicam. Quando convém o publicitário é visto como sendo um artista. Perigo na área! Artista nestes casos é eufemismo para excêntrico, louco e viajandão. Quando todos se rendem à qualidade do trabalho o mérito é do cliente que se fez entender, ou do pessoal do marketing que finalmente tem uma expressão adequada ao s...

A neta

Conheci a neta de Lampião, conversei com ela cerca de uma hora no lançamento do seu livro De Virgolino a Lampião, escrito em parceria com o pesquisador do cangaço Antônio Amaury, no Mercado Público de Porto Alegre, no já distante ano de 2000. Cheguei com minha mulher no meio da tarde, em dia de semana, pois havia uma exposição paralela sobre Lampião, Maria Bonita, contendo relíquias do cangaço. A Vera saiu da área de autógrafos e se aproximou da gente, porque ouviu a Neca me chamando a atenção para a beleza brejeira de Maria Bonita. Disse um oi sorridente e falou que era neta da moça. No início ficamos meio sem jeito, mas em seguida a conversa prosperou como se fôssemos velhos vizinhos que se reencontram e começam a lembrar da parentada. - E dona Expedita tua mãe, ela lembra dos pais? - Tem uns retalhos de lembranças mas era pequena e ficava muito tempo longe deles, tempo demais pra se criar memória. Vera nos falou de coisas muito peculiares sobre as pessoas do cangaç...

Irreverência

A irreverência é uma virtude perigosa, mas quando esclarecida é divina. Outro dia lendo uma das tantas referências interessantes feitas sobre a vida de Napoleão Bonaparte, deparei com uma passagem emblemática. O cadete Bonaparte cometeu uma indisciplina qualquer e seu monitor colocou o futuro conquistador militar da Europa no castigo, mal sabia ele o risco da sua coragem. A ordem era ajoelhar sobre grãos de milho junto ao canto da parede da sala de aula. Napoleão olhou o monitor dentro das pupilas e disse com voz baixa e segura: - O senhor me dê outro castigo que o farei de bom grado, mas jamais me diga para ajoelhar seja pelo que for, porque da casa de onde eu venho as pessoas somente se ajoelham diante de Deus. Tem uma passagem da Leila Diniz que é melhor ainda. Um coronel atuante nos órgãos repressivos do governo militar brasileiro, era tarado pela Leila. Certo dia mandou entregar tantas flores e bombons no camarim da atriz, que ocupou todos os espaços e atiçou o fa...

Frio seco

Há uma alegria contida em cada massa de ar polar que a meteorologia anuncia. O frio seco é alma gêmea da luz difusa, juntos eles afastam a paisagem e ampliam o espaço interno da alma. O silêncio das noites frias só perde em magia para o assovio nostálgico do minuano que vem junto com as frentes mais severas. Tudo é belo e áspero, brut . O prazer de cozinhar no fogão a lenha, enquanto se bebe sem pressa no calor do lar, nosso cantinho mais particular neste vasto mundo. E o frio lá fora. A tevê a cabo, os filmes pra ver, os livros pra ler e um pouco de namoro, com aquele beijo mais demorado de sabor macio, pinot noir . Até os gatos ficam mais soberanos no frio, meu cão pastor ganha seu salvo-conduto para entrar no ambiente fechado e deita-se próximo como um lobo protetor. O frio nos faz uma nação diferente dentro do país. Sem levar em conta a história do extremo sul, uma saga de muitas idas e vindas, o clima se encarrega, por si mesmo, de nos fazer gaúchos. Nem é pr...