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Peladeiro

Interrompo minhas férias literárias para comemorar uma revelação. Aproveitando as reflexões inevitáveis neste intercurso do ano calendário, vi uma chamada do canal Discovery para um documentário chamado Pelada Futebol Puro, que está estreando na tevê a cabo e que, com certeza, vou apreciar muito. No decurso imediato desta vinheta me veio a descoberta Aristotélica de que eu sempre fui um peladeiro de respeito. Eureka! Existe uma passagem dimensional entre o espaço da pelada e as quatro linhas desenhadas na grama ou no parquê, entre sem camisas e com uniformes. Sempre lidei bem com minha frustração por não jogar bem futebol, nem por isto deixei de gostar nem de praticar o irresistível esporte bretão. Agora descobri o porquê de nunca ter me incomodado por ser canela-de-pau. Não se tratava de sublimação da incompetência nata, mas apenas a tranquilidade natural de um peladeiro que sempre foi decisivo nos combates que travou. A pelada é uma recreação vibrante. Desenvolvi portanto uma atitude...

Lá vem o chororô

Quem me conhece sabe bem. Sou integrante daquela legião de pessoas que prefeririam saltar do dia 23 de dezembro para 03 de janeiro do ano seguinte. Sei lá, acampar em Bali, ou mais de acordo com minhas possibilidades, em uma curva bem escondida do Lajeado Grande, nos Campos de Cima da Serra. Já conto dois dias de distância do Natal e do Ano Novo, que é para incluir a correria atrás de presentes e a ressaca da virada. Mas estarei estoicamente próximo de todo chororô desta transição, apenas um pouco mais recluso e absorto por tarefas comezinhas. Diante dos encontros que eu não puder evitar estarei sorrindo e refletindo sobre as bênçãos contidas em qualquer copo graúdo com uísque escocês e gelo. Brabo mesmo é aguentar o chororô de sempre, as promessas de transformação e os abraços etílicos da galera que nem gosta de você, mas aproveita cada fim de ano para confessar que te ama. Psiquiatra de plantão deve atender ocorrências de meia em meia hora. Então me despeço dos sete leitores que aind...

Democracia

Outro dia ouvi um líder empresarial sentenciar que democracia não combina com gestão empresarial vencedora. A frase foi pronunciada por um indivíduo que se orgulha de ler sobre tudo que possa interessar para inovação e competitividade do seu negócio neste “admirável mundo novo”. O poder inseguro detesta o ambiente democrático, na primeira oportunidade os tiranos da mediocridade saem do armário e passam a mascarar sua insegurança com autoritarismo. Isto significa, entre outras coisas, utilizar o poder de demitir como uma arma de intimidação sobre colaboradores e prepostos, reduzindo a gestão a um arsenal de ordens a cumprir. O meio democrático é o ambiente mais saudável para se fazer prosperar as estratégias mais importantes em todo tipo de organização. Onde mais lideranças podem expressar opinião e participar das tomadas de decisão, tanto mais pessoas comprometidas são conquistadas para o engajamento nas causas vitais da empresa. Comandar é saber lidar com inúmeras pressões, mas também...

O tempo que resta

Recebi a notícia da morte do Fernando por telefone. Aos 48 anos, no auge da carreira e cheio de vida, Fernando parte após um bravo combate de meses contra um câncer fatídico, do tipo que não faz concessões. Encarou estoicamente sua tragédia pessoal e atendeu as mensagens de email dos colegas de trabalho até sua última centelha de consciência e força. Procurou todas as alternativas de cura, médicas e transcendentais, mas jamais lamentou seu destino o que me faz pensar que seu espírito partiu cristalino. Da última vez que falamos ele me fez refletir sobre o tempo que nos resta, dizendo que encarava cada novo dia como um presente supremo da vida. Desde o diagnóstico que alterou suas perspectivas ele passou a valorizar cada naco de vida e se deu conta de quanto tempo gastou com preocupações pobres de significado diante do que realmente importa para a verdadeira existência. O Fernando era um sujeito bem acima da média: inteligente, culto, muito divertido e um conciliador nato. Convivi pouco...

Bem-te-vi

Parei para tomar um cafezinho de quase reunião com meu valoroso sócio e amigo André na cafeteria térrea do prédio onde funciona nosso escritório. A mesa da “catrefa” fica à entrada de uma galeria que mede pouco mais de quinze metros de profundidade e tem uns seis metros de altura. Pois lá no alto, pousado no parapeito de uma abertura para entrada de luz, estava um estressado bem-te-vi. Descansava um pouco e em seguida fazia vários voos em busca da saída para o espaço aberto, extenuado pelo exercício voltava a pousar em algum outro ponto nas alturas. Pobre bem-te-vi, não conseguia distinguir a saída para a qual bastaria dar um voo rasante na direção certa para depois arremeter ao sabor da liberdade. Por mistérios que pertencem às mentes peculiares dos bem-te-vis, não conseguia ver o caminho. Fiquei com pena do pássaro. O que para mim era uma questão de simples manobra, para ele parecia impossível. Fiquei pensando na metáfora daquela cena: às vezes se tem asas, mas falta a carta de voo. ...

Rolling Stones

Pois eu não fui ver o Paul McCartney. Aliás não me fez falta nenhuma apesar de toda admiração que tenho pelas canções dos Beatles, mas sempre me identifiquei mais com o John Lennon. Dos vivos do rock, só sairia de casa para encarar fila de compra de ingressos se fosse para assistir a um show dos Rolling Stones. E tem que ser logo, porque o Mick Jagger já está meio velhinho para dançar e correr pelo palco daquele jeito, mas ainda o faz. E o Keith Richards fumando como um morcego? Meu ídolo. Os Rolling Stones são um fenômeno único e, segundo ouvi dizer, virão a Porto Alegre. Tudo mudou nos últimos quarenta anos - caiu o Muro de Berlim, as Torres Gêmeas, o Fidel Castro, todas as velhas bandas foram desfeitas - apenas os Rolling Stones seguem na estrada. Esta é a Terceira Idade que qualquer mortal pediria a Deus. Quanto ao show do Paul, ninguém diga que estou sendo injusto, pois quem assistiu ficou hipnotizado pela apresentação do eterno Beatle, que permaneceu no palco por três horas canta...

Lorita e o Parkinson

Minha mãe é portadora da Doença de Parkinson há cerca de quinze anos. Domingo fui até Canela com minha esposa tomar um café da tarde com ela e voltei satisfeito com a sua aparente boa saúde. Depois de tanto tempo de convívio com este calvário ela ainda se anima a visitar a pé sua irmã Teresa, que mora a cerca de quinhentos metros da sua casa. A motivação é forte, o estado de saúde da minha tia é preocupante. Ela que já acompanhou minha mãe em internação hospitalar em Porto Alegre hoje se encontra em situação muito pior. Quero visitar minha tia o mais breve possível, pois os relatos que ouvi de minha mãe são realmente muito inquietantes. Enfim, a Dona Lorita, mãe desta criatura que aqui escreve é uma mulher guerreira em seus quase setenta e cinco anos de idade. Foi assim a vida inteira. Viúva aos vinte e três com dois filhos pequenos para criar, pois meu pai foi vítima de um tipo de leucemia aos trinta e três anos, precisou superar condições financeiras e emocionais para tocar a vida ad...