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Bola pra frente

Talvez a diferença mais óbvia entre o estado depressivo e a vigília natural que garante nossa sobrevivência, seja uma coisa chamada “capacidade de reação”. Quem está vivo reage às pressões da vida, sejam elas quais forem. O deprimido de certa forma não está bem vivo, sua mórbida indiferença o arrasta ao sabor da corrente. Na depressão existe o torpor de se deixar morrer. Aí começa uma conversa capaz de reunir psicanalistas e filósofos por semanas a fio. Mas não estou particularmente interessado neste debate, apenas utilizo a metáfora para expressar a minha abençoada reatividade diante das ameaças que rondam meu modesto modo de vida. Abençoada porque me acorda quando os ventos sopram fortes e preciso fechar as janelas e retirar as cadeiras do alpendre, ou quando me avisa para ter calma e fé na hora de tomar decisões e me posicionar diante de situações e pessoas. Minha forma de reagir não costuma ser ostensiva, ao contrário, vem lentamente se aquecendo em banho-maria até ficar no ponto ...

Brasileiros

A consternação geral diante da tragédia do Haiti tem o cruel agravo da miséria quase absoluta que acomete a vida dos nossos simpáticos irmãos caribenhos. Se parecia impossível imaginar que algo pudesse piorar a situação daquele povo, o terremoto deste início do ano provou que a gente não tem muita imaginação. Até onde vai a resistência emocional de uma nação que, há muito, se vê privada das mínimas perspectivas de um futuro melhor, quando ainda é tragada pelo terror da destruição e da morte em escala de extrema irracionalidade. A fome e o desespero dos sobreviventes, muitos feridos privados de socorro médico e pessoas catatônicas com a terrível sina de peregrinar entre entulhos impregnados com o cheiro da morte, somente perdendo em grau de horror para as inúmeras vítimas que agonizaram por dias e dias sob montanhas de caliça e vigas de concreto. E lá estão brasileiros com a missão de minorar o drama humano desta gente. O exército da ONU sob comando tupiniquim trabalha com abnegação par...

Saudade das geadas

As férias acabaram, o dinheiro acabou e estou de volta ao campo de batalha. No meu caso o dinheiro acabou antes das férias, então é fácil imaginar o quanto gastei em passeios e lazer neste período. Tirando os quatro dias fantásticos que me permiti aproveitar em uma pousada rural da serra gaúcha, no restante do tempo agonizei em Porto Alegre me sentindo uma lagartixa presa na garrafa térmica do chimarrão. Sufoco total. Menos mal que já se foram as festividades natalinas e da virada de ano, resta apenas a velha luta pela sobrevivência e as novas batalhas em busca de crescimento pessoal e profissional. Afinal a gente precisa renovar objetivos para invitar esforços. Mas devo confessar que estou em contagem regressiva para reencontrar as brisas geladas do outono, quando as primeiras folhas dos plátanos de Picada Café e Nova Petrópolis começarem a cair e os primeiros vendedores de pinhão surgirem nas margens da estrada de Gramado e São Francisco de Paula, meu coração se encherá de alegria po...

A Catrefa

Tudo começou por acaso. Com o propósito de fumar um cigarro sem poluir o escritório, minha escolha natural era descer até o térreo do prédio e me juntar aos excluídos diante da loja de café. Atentos, os proprietários instalaram uma mesa à entrada da galeria para que seus clientes tabagistas pudessem sorver seus expressos sem se privarem do vício. Assim nasceu a confraria dos vizinhos fumantes, versados em futebol, política e uma série de outras especialidades, um grupo internamente batizado de A Catrefa. De início A Catrefa foi vista com certa desconfiança pelos demais vizinhos do edifício. Fato bastante compreensível se considerarmos a imagem de marmanjos falando alto e dando gargalhadas sob uma cortina de fumaça. Mas a convivência humana também é feita de surpresas agradáveis e, com A Catrefa, isto se materializou de forma cristalina. Algumas pessoas, aparentemente sisudas e arredias, foram gradativamente se aproximando do grupo, inclusive não fumantes, contagiadas pelo clima espontâ...

Sedução

O talento irresistível de Oskar Schindler para seduzir mulheres e envolver marmanjos, somado ao seu espírito hedonista, resultou em um indivíduo de espírito absolutamente lúcido enquanto, ao seu redor, o mundo se desfazia em pedaços. Claro que o Oskar Schindler do filme de Spielberg deve muito ao charme esperto do ator Liam Neeson, que merecia mas não levou o prêmio máximo da Academia de Hollywood daquele ano, apesar das sete estatuetas que a obra faturou, a ponto de merecer o apelido de A Lista de “Spielberg”. Ninguém pode negar que pessoas sedutoras exercem um fascínio sobre as outras e têm um poder especial de manipulação, ainda mais quando suas mentes sedutoras possuem o acréscimo de um bom coeficiente intelectual. No caso de Schindler esta rara combinação resultou na fantástica preservação de mil vidas de prisioneiros judeus, que o reconhecem como verdadeiro herói. Só mesmo com muita habilidade para resistir e driblar os escaninhos do holocausto. Minha maior frustração de adolesce...

Quase famoso

No bairro Tristeza, zona sul de Porto Alegre, habita um cão pastor-alemão de uma beleza cinematográfica. Ele responde atentamente pelo nome de Panzer, uma singela homenagem dos donos à famosa divisão de blindados alemães celebrizada na segunda-guerra mundial. Pois o Panzer faz por merecer o nome, é fortíssimo, graúdo e muito, muito marrento. Em contrapartida, adora receber carinhos de qualquer pessoa, crianças e adultos, que ao cruzarem seu caminho nos passeios de sábado, quando leva seus donos até as margens do Guaíba, não resistem ao charme deste magnífico exemplar canino. O Panzer escapou da fama por um triz, na verdade por um exame radiológico. Quando filhote, hoje ele tem quatro anos e meio, sagrou-se campeão em todas exposições de cães pastores que participou na capital gaúcha, também venceu uma exposição sul-americana em Santa Catarina. Foi vice-campeão brasileiro competindo em Atibaia, São Paulo, sob avaliação de um juiz vindo da Alemanha. Para quem não convive no meio dos cria...

Psicopatas

Segundo estimativa de uma pesquisa psiquiátrica recentemente realizada nos Estados Unidos da América, cerca de 4% da população adulta americana tem o que podemos chamar de personalidade psicopata. Deste universo, uma parte é representada pelo sexo feminino e as outras três partes por marmanjos. É muito psicopata vivendo na terra de Tio Sam. Como seria esta realidade transposta para o Brasil? Talvez as variações estatísticas dependam menos de fatores culturais e mais dos aspetos genéticos da raça humana. Enfim, merecemos uma pesquisa deste tipo. Já está dito que a personalidade psicopata não tem cura e que tampouco significa delírio psicótico ou manifestações maníacas de ordem patológica. Trata-se de indivíduos que não possuem sentimentos de empatia e desconhecem piedade diante dos sofrimentos alheios. O psicopata é inteligente, entende todos os mecanismos da emoção humana e os manipula ardilosamente para retirar tudo o que lhe aprouver de outrem. Nos extremos, esta desordem incurável, ...