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A Catrefa

Tudo começou por acaso. Com o propósito de fumar um cigarro sem poluir o escritório, minha escolha natural era descer até o térreo do prédio e me juntar aos excluídos diante da loja de café. Atentos, os proprietários instalaram uma mesa à entrada da galeria para que seus clientes tabagistas pudessem sorver seus expressos sem se privarem do vício. Assim nasceu a confraria dos vizinhos fumantes, versados em futebol, política e uma série de outras especialidades, um grupo internamente batizado de A Catrefa. De início A Catrefa foi vista com certa desconfiança pelos demais vizinhos do edifício. Fato bastante compreensível se considerarmos a imagem de marmanjos falando alto e dando gargalhadas sob uma cortina de fumaça. Mas a convivência humana também é feita de surpresas agradáveis e, com A Catrefa, isto se materializou de forma cristalina. Algumas pessoas, aparentemente sisudas e arredias, foram gradativamente se aproximando do grupo, inclusive não fumantes, contagiadas pelo clima espontâ...

Sedução

O talento irresistível de Oskar Schindler para seduzir mulheres e envolver marmanjos, somado ao seu espírito hedonista, resultou em um indivíduo de espírito absolutamente lúcido enquanto, ao seu redor, o mundo se desfazia em pedaços. Claro que o Oskar Schindler do filme de Spielberg deve muito ao charme esperto do ator Liam Neeson, que merecia mas não levou o prêmio máximo da Academia de Hollywood daquele ano, apesar das sete estatuetas que a obra faturou, a ponto de merecer o apelido de A Lista de “Spielberg”. Ninguém pode negar que pessoas sedutoras exercem um fascínio sobre as outras e têm um poder especial de manipulação, ainda mais quando suas mentes sedutoras possuem o acréscimo de um bom coeficiente intelectual. No caso de Schindler esta rara combinação resultou na fantástica preservação de mil vidas de prisioneiros judeus, que o reconhecem como verdadeiro herói. Só mesmo com muita habilidade para resistir e driblar os escaninhos do holocausto. Minha maior frustração de adolesce...

Quase famoso

No bairro Tristeza, zona sul de Porto Alegre, habita um cão pastor-alemão de uma beleza cinematográfica. Ele responde atentamente pelo nome de Panzer, uma singela homenagem dos donos à famosa divisão de blindados alemães celebrizada na segunda-guerra mundial. Pois o Panzer faz por merecer o nome, é fortíssimo, graúdo e muito, muito marrento. Em contrapartida, adora receber carinhos de qualquer pessoa, crianças e adultos, que ao cruzarem seu caminho nos passeios de sábado, quando leva seus donos até as margens do Guaíba, não resistem ao charme deste magnífico exemplar canino. O Panzer escapou da fama por um triz, na verdade por um exame radiológico. Quando filhote, hoje ele tem quatro anos e meio, sagrou-se campeão em todas exposições de cães pastores que participou na capital gaúcha, também venceu uma exposição sul-americana em Santa Catarina. Foi vice-campeão brasileiro competindo em Atibaia, São Paulo, sob avaliação de um juiz vindo da Alemanha. Para quem não convive no meio dos cria...

Psicopatas

Segundo estimativa de uma pesquisa psiquiátrica recentemente realizada nos Estados Unidos da América, cerca de 4% da população adulta americana tem o que podemos chamar de personalidade psicopata. Deste universo, uma parte é representada pelo sexo feminino e as outras três partes por marmanjos. É muito psicopata vivendo na terra de Tio Sam. Como seria esta realidade transposta para o Brasil? Talvez as variações estatísticas dependam menos de fatores culturais e mais dos aspetos genéticos da raça humana. Enfim, merecemos uma pesquisa deste tipo. Já está dito que a personalidade psicopata não tem cura e que tampouco significa delírio psicótico ou manifestações maníacas de ordem patológica. Trata-se de indivíduos que não possuem sentimentos de empatia e desconhecem piedade diante dos sofrimentos alheios. O psicopata é inteligente, entende todos os mecanismos da emoção humana e os manipula ardilosamente para retirar tudo o que lhe aprouver de outrem. Nos extremos, esta desordem incurável, ...

Bom conselho

A polícia dos Estados Unidos cumpre uma formalidade extremamente útil para qualquer indivíduo que seja alvo de prisão, pronunciando em voz alta aquela frase que o cinema tornou conhecida do resto do mundo: “você tem direito a ficar calado, pois tudo o que você disser poderá ser usado contra você”. Santa advertência Batman! Tudo, absolutamente tudo, que a gente diz tem um potencial enorme de reverter contra o nosso próprio território. Afinal quem nunca se contradiz, quem não muda de opinião de vez em quanto ou não omite detalhes em nome de preservar recantos sagrados da discrição pessoal? Paradoxalmente as pessoas nunca foram tão escancaradas e indiscretas nas suas confissões e julgamentos. Já sabemos da delação premiada. Somando-se a isto esta ânsia coletiva pela celebridade, nada mais do é dito merece tanto crédito. De qualquer forma, a voz de prisão norte-americana é, também, um bom conselho. Sigmund Freud que nunca prendeu ninguém mas decerto conhecia alguns meios para amenizar a re...

Pet family

O mundo contemporâneo está repleto de tribos novas. Entre elas, as famílias de humanos e animais domésticos, nesta ordem, porque os primeiros pagam as contas e alimentam o clã inteiro. O que mudou na relação entre as pessoas e os seus bichos domésticos? Basicamente o custo de tanto afeto. Animais são caros, não apenas emocionalmente. Cachorros e gatos têm uma imensa rede de indústria, comércio, serviços e inúmeras organizações não-governamentais totalmente dedicadas a eles. Bem verdade que nem todas compartilhando os mesmos objetivos sobre o segmento. A amizade e a parceria entre seres humanos e cães, em particular, é tão antiga quanto os tempos de habitação nas cavernas. Mas já haviam casos de relações extremadas em épocas imemoriais, onde muitos poderosos nutriam verdadeira adoração por um animal de sua propriedade, especialmente cavalos e cães, bem como um desprezo equivalente pela sociedade humana. Quem não ouviu a célebre sentença “quanto mais conheço os homens mais aprecio os ani...

Melancolia

Estou lendo um magnífico ensaio sobre as origens da melancolia ocidental e da sua chegada ao Brasil, desembarcada das caravelas portuguesas e espanholas. O livro é Saturno nos Trópicos e o autor, o nosso imortal das letras, Moacyr Scliar. Tenho este exemplar desde o lançamento da obra, mas somente nestes dias me senti chamado a desvendar seu conteúdo. Sou assim, vivo cercado dos muitos livros que minha esposa me presenteia depois de suas incursões pelas livrarias de Porto Alegre, de outros que os amigos me trazem e uns poucos que eu próprio me dou de presente. Gosto de saber que tenho várias preciosidades à espera do meu desejo e, de vez em quando, vago pela casa a procura de um livro que capture minha alma e me leve por “mares nunca dantes navegados”. E o tema da melancolia me fisgou naturalmente. Estou apreciando especialmente as diferenciações, estabelecidas pela mente sagaz do Scliar, entre depressão, tristeza, tédio e melancolia. Que para mim sempre foram coisas distintas, mas nun...