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Nem me fala!

A coisa está feia. Não bastassem as sequelas da crise econômica mundial que nos fez entrar o ano com o coração na mão e a cabeça cheia de incertezas, sobreveio-nos o inverno mais frio das últimas décadas. Depois a chuva, o calorão, mais chuva e o frio retornando. O clima hostil não chegou sozinho, se fez acompanhar por uma gripe nova, mortífera e sorrateira, que varou nossas fronteiras como um tango lúgubre e nos despertou para a macabra realidade, onde a vida e a morte dançam de rosto colado. Vamos sobreviver, tenho esperanças, e lembrar daquele ano de 2009 como um tempo negro que nossas almas atravessaram em arrastada procissão. Outro dia, quando os ventos loucos já sopravam pela pampa gaúcha, reuni alguns dos meus amigos para confraternizar à beira do fogo, regada a bom vinho e saboreada em tiras de picanha, pinhão na chapa e caldo de feijão. Lá pelas tantas, repassando os convidados para oferecer o pinot noir que descobri por acaso e se tornou o meu bálsamo na tormenta, percebo que...

Meu avô

Algumas pessoas são especialmente importantes em nossas vidas. Meu avô materno, o Velho Alfredo, influenciou definitivamente o meu modo de lidar com a tal da existência que, conforme ele costumava dizer, a gente ganha de presente sem pedir e um dia nos é retirada sem que tenhamos chance de apelar. Aliás, Velho Alfredo é um ícone na memória da maioria dos seus mais de cinquenta netos, dos quais sou o primeiro da turma e, por isto, tive a oportunidade de conviver por mais tempo com este saudoso tropeiro da serra gaúcha. Meu avô viveu seus últimos anos em um rancho de madeira onde as frestas deixavam varar o gélido vento minuano, tanto que seu catre ficava estrategicamente protegido por um enorme e antigo roupeiro. Na pequena cozinha o assoalho dava lugar a um piso de terra batida, onde um indefectível fogãozinho à lenha garantia um calor mínimo para que suportasse o inverno. Velho Alfredo morreu no fim do século passado com seus noventa anos, quase preenchendo por completo este segmento ...

Ficando velho

Estou ficando velho. Não me refiro aos meus cinquenta e dois anos, mas eles ratificam esta percepção. Voltei a me exercitar regularmente, pois além da sobrevivência também preciso reduzir o peso e tenho um joelho que avisa o fim próximo da minha pelada de futebol. Ainda bem que nem tudo que é bom está tão ameaçado quanto o jogo de bola, mas já não posso simplesmente viver do meu velho e bom jeito desregrado de ser. Tenho que considerar de forma séria e definitiva a ruptura com o tabagismo, após quase trinta anos fumando a saúde começa a apresentar a conta dos estragos. Não tem jeito, a gente envelhece por fora e por dentro. É difícil assimilar esta realidade. Consultei um cardiologista para verificar minhas condições de retomar uma atividade de academia. O médico jovem e muito especializado, também pneumologista, analisou meu aspecto clínico como positivo e liberou a atividade física quase sem ressalvas. Mas terei que fazer uma série de exames e isto sempre assusta um pouco. Enfim. A c...

Revolutionary Road

Se você ainda não viu, veja o filme de Sam Mendes, Revolutionary Road, que chegou ao mercado brasileiro com o título de Foi Apenas Um Sonho. O livro, que originou esta mais recente e magnífica obra do diretor de Beleza Americana, foi publicado em 1961 por um escritor chamado Richard Yates. Depois de assistir a película, o livro entrou pra minha lista de leituras obrigatórias em 2009. Fiquei profundamente impressionado com a história do casal Wheeler, protagonizado pela dupla Kate Winslet e Leonardo Di Caprio, uma trajetória desnorteante sobre os descaminhos conjugais e que vai muito além do óbvio. A forma como o adultério surge no enredo desafia os limites dos nossos conceitos sobre a vida amorosa. Sam Mendes adora fustigar a linha que separa nossos limites emocionais da nossa própria insanidade existencial. Significativamente ele coloca os filhos fora da questão. As crianças estão presentes, mas não há concessão ao vínculo com a prole para dar uma desculpa à perda de sintonia do casal...

Conexões

São muito interessantes algumas conexões emocionais que se estabelecem entre as pessoas. Para o bem e para o mal. Tem aquele tipo de vivente que nunca te fez nada, mas que é capaz de botar em alerta os gansos da tua alma só de passar por perto. Meu avô parou de falar com um cunhado porque cada vez que encontrava o Dorvalino alguém da família caía doente. A partir do dia que se deu conta, passou longos e saudáveis anos sem ver o amigo. As conexões mais interessantes são as positivas. Trazem sorte. Tenho uma amiga assim, a Gisela, o nome deve ser lido ao modo alemão Guísela, com o "e" fechado. Pois a Duda, como a chamam seus mais íntimos, surgiu na minha vida como uma nova cliente e assim nos relacionamos por um bom período. Nesta época ficamos amigos. Nossas reuniões eram sessões intermináveis de boa conversa e muitas risadas. Um típico fenômeno de absoluta afinidade pessoal. Quando partiu para novos desafios, foi morar em Brasília. Na sua festa de despedida eu convidei vários...

Inverno 73

A noite estava úmida. Sempre quis iniciar um texto com esta frase. É em torno dela que se desenvolve um diálogo impagável entre Billy Cristal e Danny De Vito, no filme Joguem a Mamãe do Trem. O personagem de Cristal é um escritor em crise que tenta começar uma nova obra e está empacado na frase de abertura... Enfim, um filme que merece registro. Pois a noite estava úmida e gelada, passava longe da meia-noite e eu seguia com meu capote preto, chapéu e botas, levando um exemplar de O Exorcista debaixo do braço. Seguia a pé, naquele distante ano de 1973, a caminho de casa. Estava em Gramado e minha casa ficava em Canela, portanto tinha uns bons nove quilômetros de chão pela frente. Naquele tempo dos meus saudosos dezesseis anos, era costume pegar carona de uma cidade à outra, sendo bastante fácil, haviam muitos conhecidos trafegando por ali e até alguns turistas que conheciam o hábito, mas após uma certa hora, os carros desapareciam por completo. Balada de pobre no meu tempo era mais ou m...

Neca e Eu

Meu casamento desafia a projeção de durabilidade dos matrimônios nacionais, dez anos e meio segundo estudo do IBGE, pois eu e a Neca estamos juntos há vinte e cinco anos. Mais do que isto, a gente trabalha na mesma empresa há quinze, um relacionamento full time. Quem nos conhece separadamente, sem saber que somos casados, dificilmente iria imaginar uma relação entre duas pessoas tão diversas. Quanto menos tão duradoura como a nossa. Entretanto, quem convive com o casal não chega a estranhar esta combinação que, este ano, conquista suas Bodas de Prata. Pela primeira vez exercito e registro de forma mais pública uma reflexão sobre nossa aparente incompatibilidade de estilos e o porquê de tanta diferença sobreviver em harmonia. A Neca é obstinadamente disciplinada na busca dos seus objetivos, intolerante com a perda de tempo na resoluções cotidianas, do conserto da torneira do banheiro até quaisquer demandas que envolvam nossa empresa ou a vida familiar. Mas também é uma manteiga derretid...