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É bom estar aqui

Muito bom estar aqui digitando um poema sem pretensão. Quem bom o meu livro de hoje a noite. Meu cafezão com pão quentinho e cascudo. O documentário sobre os negros americanos e a sua música. A minha gata Juno descobrindo seus limites domésticos. E aquele cigarro com café preto no cantinho da varanda. Tudo para dizer que estou mais simples E que mais simples é um estado de ser... bem legal! Amanhã vai chover? Será que o frio vai voltar? Quando vou ter as condições de fazer aquela viagem? Será que terei que curar meu ronco antes de partir? Afinal o vôo é longo e a Neca vai morrer de vergonha. Será que uma cirurgia no nariz acaba com o problema? De qualquer forma preciso emagrecer. E o meu joelho? Por enquanto vou brincando de centroavante manco. Estou velho e gosto de estar velho e ativo. Sinto prazer em controlar a minha impulsividade. É um treino divertido, ficar mais quieto e menos ansioso. Meus planos são muitos, nem todos combinam. Melhor mesmo é o aqui e agora. É bom estar aqui. S...

O jogo

O que mais gosto no mundo do futebol é sua similaridade com a vida cotidiana. Assim como neste esporte, a vida é repleta de paixões e disputas que constroem ou destroem projetos pessoais, sonhos e reputações. Mesmo quando a vida anda difícil sempre existe a possibilidade dela piorar e ser rebaixada para divisões mais pobres e infernais do que aquela onde estamos. Assim também, por melhor que seja um momento de glórias ele tem um caráter efêmero, podendo ser virado do avesso após uma série de maus resultados. Tanto quanto no futebol, precisamos criar uma história para nos dar consistência. Um passado de conquistas pode nos alentar em fases de penúria e de fracassos, também nos impulsionando à reação para nos tornarmos dignos de melhores dias. Na vida somos o presidente, o treinador, o time e o jogador, ao mesmo tempo. Vivenciamos experiências semelhantes aos times de futebol, às vezes mostramos uma boa performance, mas falhamos na hora de fazer o gol. Diz a sabedoria das quat...

Fogão à lenha

De todas as poucas e singelas aquisições que pude fazer após a construção do chalé de madeira em que vivo com minha mulher, meus cães, gatos e minha sogra, nada me é tão precioso quanto o fogão à lenha. Objeto simples que passa dois terços do ano desativado, servindo de aparador, o fogão à lenha ressurge glorioso aos primeiros bafejos do ar polar, lá em meados do outono, e assim permanece resplandecente ao longo do inverno. Este ano a estação fria começou promissora, com uma honesta e duradoura massa de ar gelado, prometendo consolidar um inverno de inspiração russa. Perfeito para combinar com pinhão na chapa, comida na panela de ferro, vinho tinto seco e livros para o deleite das horas, apenas cuidando de manter o fogo e espiando pela varanda envidraçada o rigor climático do lado externo, que torna ainda mais aconchegante o cantinho quente e protegido do lar. De repente uma viração. Some o frio seco e ríspido dando lugar a uma verdadeira monção chinesa, chuva em bicas sem parar e uma ...

Os danos reais

Haja saúde mental para suportar tanta loucura produzida em série. Quanto mais leio ensaios literários que mergulham de forma arguta e embasada em quaisquer períodos históricos da humanidade, mais me convenço do flagelo que as pessoas comuns são submetidas diante dos experimentos criados pelos príncipes do poder econômico e os soberanos do comando político. Não existe rede de proteção para quem deseja viver de forma simples e construir uma trajetória existencial calcada apenas em trabalho e laços afetivos comuns. Tudo acaba adulterado, deturpado ou aliciado pelos devaneios de quem domina o tabuleiro das gigantescas movimentações de recursos humanos e materiais. Pobres dos peões, peças sempre sacrificadas como cobaias nos experimentos. Assim caminha a humanidade, cheia de sentimentalismos e práticas assassinas. Acredito que somos a única espécie animal portadora de loucura inata. Por conta dos estereótipos impostos nestas absurdas experiências coletivas são produzidas anomalias banais, c...

Ghostwriter

Recebi um convite para ser ghostwriter de uma futura publicação. É bem verdade que se trata de uma obra de autoajuda, ou mais exatamente uma autobiografia com ênfase na superação construtiva de sentimentos de inferioridade do tipo que marcam a infância e a adolescência de um terço da humanidade. Não é meu gênero preferido. Gosto mesmo é de literatura pura, mas também leio alguns ensaios e biografias bem escritas. Recebi com alegria e gratificação este convite. O autor é um profissional da área médica que já publicou duas obras direcionadas ao público relacionado com suas atividades e pesquisas. Agora deseja falar com o leigo, mais ainda, com pessoas de idades e atividades diversas, apresentando sua experiência de vida como alternativa menos neurótica e bem mais positiva de como lidar com a vivência acachapante do bullying. A proposta nasceu da avaliação positiva que ele fez sobre uma resenha singela que redigi para o lançamento do seu segundo livro e postei no blog de um grande jornal ...

Bullying

Jogo futsal duas vezes por semana. Entenda-se que eu me divirto na pelada de quadra sem quaisquer pretensões boleiras às segundas e quintas, carregando estoicamente meus quase cem quilos, arrastando a perna direita devido a um joelho sequelado e com os movimentos prejudicados no braço esquerdo por conta de uma bursite que vai e volta a me assombrar desde o século vinte. Mas faço gols. Esta é a minha vingança. Sou bem mais velho que os demais parceiros, o mais próximo é seis anos mais novo que eu. Agora estou comemorando o retorno do Sérgio, que com seus 59 anos me deixará em lugar mais discreto nesta comparação etária. Ou seja, seremos os dois velhos da resistência. Outro dia o Hélio voltou ao convívio do futebol, depois de semanas de desaparecimento. Hélio tem dez anos a menos do que eu e joga uma bolinha abaixo da crítica, porém é dono de uma auto estima invejável, característica que lhe permite aconselhar qualquer pessoa que estiver necessitando da sua privilegiada inteligência prát...

Avelina

Hoje o dia amanheceu cinzento, frio e dominado por uma persistente chuva fina. Não é exagero dizer que a natureza estava expressando o sentimento das pessoas que privaram de alguma convivência com Avelina, que ontem partiu aos 59 anos ao fim de silenciosa guerra privada contra uma enfermidade insidiosa e cruel. Avelina era, sem dúvida, a anfitriã mais amada e gentil para os amigos da Catrefa, confraria sobre a qual costumo referir frequentemente neste blog. Sua risada contagiante fazia abrir um sorriso imediato em todos que gravitavam a sua volta, um traço peculiar da energia acolhedora desta brasileira nascida em São Borja com ascendência gaúcha e correntina. Na partida de Avelina estavam todos, familiares, parentes e amigos, consternados e atônitos com seu desaparecimento, mas os aplausos que irromperam no instante do seu sepultamento foram o tributo merecido ao brilho legítimo da sua corajosa e inspiradora maneira de viver. Avelina deixa dois filhos adultos e uma netinha ainda bebê,...