Pular para o conteúdo principal

Fogão à lenha

De todas as poucas e singelas aquisições que pude fazer após a construção do chalé de madeira em que vivo com minha mulher, meus cães, gatos e minha sogra, nada me é tão precioso quanto o fogão à lenha.

Objeto simples que passa dois terços do ano desativado, servindo de aparador, o fogão à lenha ressurge glorioso aos primeiros bafejos do ar polar, lá em meados do outono, e assim permanece resplandecente ao longo do inverno.
Este ano a estação fria começou promissora, com uma honesta e duradoura massa de ar gelado, prometendo consolidar um inverno de inspiração russa.

Perfeito para combinar com pinhão na chapa, comida na panela de ferro, vinho tinto seco e livros para o deleite das horas, apenas cuidando de manter o fogo e espiando pela varanda envidraçada o rigor climático do lado externo, que torna ainda mais aconchegante o cantinho quente e protegido do lar.

De repente uma viração.

Some o frio seco e ríspido dando lugar a uma verdadeira monção chinesa, chuva em bicas sem parar e uma temperatura morna, nem fria nem quente.
Lá se foi todo o encanto da minha estação preferida e até meu fogão ficou sem o seu aguardado uso noturno. Ler ficou sem graça e o pinhão cozido nem se aproxima da vivacidade daquele que é feito na chapa em brasa.

Até as previsões do tempo se tornaram chatas com sua monótona anunciação de mais chuva e a odiosa permanência de uma imensa massa úmida vinda do Oceano Atlântico, espécie de inimiga número um das lépidas e faceiras correntes antárticas.

Que inveja do povo da patagônia e suas longas noites geladas, comendo parrijas e bebendo vinho malbec em suas casas isoladas e aquecidas.
Alguém me falou ter ouvido uma previsão de retorno do frio polar para o início do mês de agosto, mesmo duvidando percebo uma centelha de esperança cingindo minha alma e, otimista, vou hoje mesmo comprar e estocar lenha.

Que venha frio abençoado, com todo rigor e duração dignos de um bom inverno gaúcho.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Chamem David!

Afora ser um dos maiores talentos da pintura francesa de todos os tempos, Jacques Louis David foi sem dúvida o de maior presença nos eventos que mexeram com a vida dos franceses entre a Revolução Francesa e o Império de Napoleão Bonaparte. Um talento que sobreviveu ao seu tempo, mas sob um crivo mais severo: um artista chapa branca. Capaz de aderir a qualquer governo ou ideologia. David retratou as batalhas e símbolos dos anos de afirmação da Revolução Francesa, tão importante que quando alguma coisa espetacular estava por acontecer e merecia um registro pictórico, alguém do núcleo de Robespierre bradava: “chamem David!”. Retratou a morte de Jean Marat de forma esplêndida e, de um jeito que só ele sabia fazer, escapou da guilhotina quando seu protetor Robespierre foi condenado. Caiu nas graças de Napoleão e virou o pintor oficial do novo imperador. Seguiu sendo o pintor oficial da França até que Luís XVIII, irmão do decapitado Luís XVI, assumiu o comando da nação após o e

Só falta você

Ê-ê-ê-ê, só falta você, capricha no samba pra gente vencer! Este era o refrão do samba enredo que o último bloco de carnaval do qual fiz parte, nos meus tempos de juventude e solteirice na cidade de Canela, levou para a competição de blocos do Clube Serrano. O tema escolhido foi Luzes da Ribalta, uma homenagem a Charles Chaplin, eu fui incumbido dos desenhos das alegorias e estandartes, além de atuar como Carlitos em uma cena especialmente feita para a apresentação no clube. Por algum motivo acho que exagerei na dramaticidade, era uma cena inspirada no filme O Garoto, interpretado pelo Paulo Rizzo, pois quando encerramos a performance (que incluía um violinista tocando Smile enquanto a bateria permanecia em silêncio), irromperam os aplausos mas as pessoas choravam copiosamente. Acho que ganhamos o prêmio de criatividade e inovação, mas foi o fim da minha vida de momo. Antes participei de um bloco chamado Inimigos do Ritmo, que assumidamente não era lá estas coisas com ritmo e mar

República do Marais

Passei minha vida administrando muito pouco dinheiro, quando não à beira da mais pura dureza, portanto nunca projetei muitas viagens que não fossem terrestres. Conheço pessoas que amam viajar, quanto mais melhor, e para lugares bem diversos dentro do país ou ao redor do planeta. São descolados, aventureiros e até esportistas, gente que habita aeroportos e hotéis nos quatro cantos do mundo. Muitos viajam por razões profissionais, de forma mais ou menos frequente, enfim é um povo acostumado às viagens, aos diversos climas e fuso-horários. No meu caso, toda viagem é uma tortura que inicia à medida que sua data aproxima. Sou entocado, gosto de ficar em casa e sair de automóvel por perto para voltar logo.  Detesto voar. Sem falar nas esperas em aeroportos. Mas se o destino for Paris, gasto meu último tostão e suporto tudo com resignação. Nos últimos cinco anos, por 17 dias anuais, o bairro do Marais é meu lar em Paris. Isto é simplesmente mágico, o velho casario da Rue Charlot,