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Os danos reais

Haja saúde mental para suportar tanta loucura produzida em série. Quanto mais leio ensaios literários que mergulham de forma arguta e embasada em quaisquer períodos históricos da humanidade, mais me convenço do flagelo que as pessoas comuns são submetidas diante dos experimentos criados pelos príncipes do poder econômico e os soberanos do comando político. Não existe rede de proteção para quem deseja viver de forma simples e construir uma trajetória existencial calcada apenas em trabalho e laços afetivos comuns. Tudo acaba adulterado, deturpado ou aliciado pelos devaneios de quem domina o tabuleiro das gigantescas movimentações de recursos humanos e materiais. Pobres dos peões, peças sempre sacrificadas como cobaias nos experimentos. Assim caminha a humanidade, cheia de sentimentalismos e práticas assassinas. Acredito que somos a única espécie animal portadora de loucura inata. Por conta dos estereótipos impostos nestas absurdas experiências coletivas são produzidas anomalias banais, c...

Ghostwriter

Recebi um convite para ser ghostwriter de uma futura publicação. É bem verdade que se trata de uma obra de autoajuda, ou mais exatamente uma autobiografia com ênfase na superação construtiva de sentimentos de inferioridade do tipo que marcam a infância e a adolescência de um terço da humanidade. Não é meu gênero preferido. Gosto mesmo é de literatura pura, mas também leio alguns ensaios e biografias bem escritas. Recebi com alegria e gratificação este convite. O autor é um profissional da área médica que já publicou duas obras direcionadas ao público relacionado com suas atividades e pesquisas. Agora deseja falar com o leigo, mais ainda, com pessoas de idades e atividades diversas, apresentando sua experiência de vida como alternativa menos neurótica e bem mais positiva de como lidar com a vivência acachapante do bullying. A proposta nasceu da avaliação positiva que ele fez sobre uma resenha singela que redigi para o lançamento do seu segundo livro e postei no blog de um grande jornal ...

Bullying

Jogo futsal duas vezes por semana. Entenda-se que eu me divirto na pelada de quadra sem quaisquer pretensões boleiras às segundas e quintas, carregando estoicamente meus quase cem quilos, arrastando a perna direita devido a um joelho sequelado e com os movimentos prejudicados no braço esquerdo por conta de uma bursite que vai e volta a me assombrar desde o século vinte. Mas faço gols. Esta é a minha vingança. Sou bem mais velho que os demais parceiros, o mais próximo é seis anos mais novo que eu. Agora estou comemorando o retorno do Sérgio, que com seus 59 anos me deixará em lugar mais discreto nesta comparação etária. Ou seja, seremos os dois velhos da resistência. Outro dia o Hélio voltou ao convívio do futebol, depois de semanas de desaparecimento. Hélio tem dez anos a menos do que eu e joga uma bolinha abaixo da crítica, porém é dono de uma auto estima invejável, característica que lhe permite aconselhar qualquer pessoa que estiver necessitando da sua privilegiada inteligência prát...

Avelina

Hoje o dia amanheceu cinzento, frio e dominado por uma persistente chuva fina. Não é exagero dizer que a natureza estava expressando o sentimento das pessoas que privaram de alguma convivência com Avelina, que ontem partiu aos 59 anos ao fim de silenciosa guerra privada contra uma enfermidade insidiosa e cruel. Avelina era, sem dúvida, a anfitriã mais amada e gentil para os amigos da Catrefa, confraria sobre a qual costumo referir frequentemente neste blog. Sua risada contagiante fazia abrir um sorriso imediato em todos que gravitavam a sua volta, um traço peculiar da energia acolhedora desta brasileira nascida em São Borja com ascendência gaúcha e correntina. Na partida de Avelina estavam todos, familiares, parentes e amigos, consternados e atônitos com seu desaparecimento, mas os aplausos que irromperam no instante do seu sepultamento foram o tributo merecido ao brilho legítimo da sua corajosa e inspiradora maneira de viver. Avelina deixa dois filhos adultos e uma netinha ainda bebê,...

Sorte

Imagina o azar do cidadão que conquistou seu primeiro bom emprego como músico justamente na orquestra contratada para tocar na viagem inaugural do Titanic. Com certeza deve ter comemorado com seus parentes e amigos, talvez ficasse de trazer umas lembranças da América para seus afetos mais próximos, quem sabe até, voltou à sua velha igreja e orou agradecido ao Pai Celestial. Pois é, vai saber? Todos os músicos morreram tocando para os outros (se é que você me entende?). Sorte e azar são antônimos que às vezes convergem para um sentido único. A sorte também é dita com o sentido de destino, que por sua vez pode estar crivado de azares ou de pura falta de sorte. Chamamos os prêmios de loteria de Sorte Grande, um viés pragmático para expressar sorte. Ganhar uma fortuna com a mais simples das apostas é uma sorte inquestionável. Há um outro componente que integra este cenário sorte e azar, formando um triângulo perfeito do mais banal folhetim humano: a inveja. Quem ostenta o rosto corado da s...

Idiossincrasias

Definitivamente... uma palavra empregada com um sentido próximo de “é exatamente isto”, pelo personagem Raymond (Dustin Hoffman), é repetida à exaustão, no emocionante filme Rain Man (EUA, 1988). Pois eu tenho me sentido o próprio Raymond diante das aberrações que caracterizam o fosso do desentendimento nas relações interpessoais dos últimos tempos. Autismo social. Falo especificamente da guerra frenética por dinheiro e poder no meio de convívio. As idiossincrasias estão acirradas. Nem a máscara do politicamente correto consegue esconder o choque entre manias e melindres pessoais, uma verdadeira praga solta no ar. Funciona mais ou menos assim, se você é a parte que precisa de atenção de outrem, fica absolutamente centrado em um estado de humildade, tolerância e aprovação de quase todas as mazelas do seu interlocutor, nem questiona a vaidade de quem detém o poder, ou seja, quanto mais dócil mais amado. É difícil, não é? Todos, sem exceção, portamos nossa cota pessoal de idiossincrasias....

Titanic

Se você ainda não foi assistir, vá enquanto há tempo. A mostra Titanic em cartaz em um shopping da Zona Sul de Porto Alegre é bem mais do que uma exibição de objetos pessoais, mobílias e peças do mais famoso e trágico transatlântico da história posterior à revolução industrial. O conteúdo em si é atrativo o suficiente para saciar toda e qualquer curiosidade. Quando naufragou inundado de arrogância na noite gelada de 14 de abril de 1912, o Titanic levou às profundezas abissais do Oceano Atlântico um raro manancial da história de sua época, quando nove entre dez rotas inglesas levavam a New York. Na exposição é possível conferir aspectos que contam trajetórias pessoais de alguns dos seus mais de dois mil passageiros e membros da tripulação. O ambiente escuro e frio recria a atmosfera da noite trágica, ainda mais real com a trilha de fundo, melodias irlandesas e outras músicas da época. Por mais de 75 anos tudo ficou sepultado no breu silencioso há três mil e oitocentos metros de profundi...