Pular para o conteúdo principal

Idiossincrasias

Definitivamente... uma palavra empregada com um sentido próximo de “é exatamente isto”, pelo personagem Raymond (Dustin Hoffman), é repetida à exaustão, no emocionante filme Rain Man (EUA, 1988). Pois eu tenho me sentido o próprio Raymond diante das aberrações que caracterizam o fosso do desentendimento nas relações interpessoais dos últimos tempos. Autismo social. Falo especificamente da guerra frenética por dinheiro e poder no meio de convívio.

As idiossincrasias estão acirradas. Nem a máscara do politicamente correto consegue esconder o choque entre manias e melindres pessoais, uma verdadeira praga solta no ar.

Funciona mais ou menos assim, se você é a parte que precisa de atenção de outrem, fica absolutamente centrado em um estado de humildade, tolerância e aprovação de quase todas as mazelas do seu interlocutor, nem questiona a vaidade de quem detém o poder, ou seja, quanto mais dócil mais amado. É difícil, não é?

Todos, sem exceção, portamos nossa cota pessoal de idiossincrasias.
Felizmente existem certas pessoas que não se levam tão a sério, nem aos outros, sendo capazes de discernir os pontos de entendimento nas suas relações cotidianas, desde a família até o trabalho, passando pelos amigos. Gente invejável que não se ofende por pouco e que não preme seus subalternos ou agregados a adotarem gestos contidos e falsos, é um estilo que está virando raridade.

Eu próprio tenho uma personalidade impulsiva que me mantém em eterna vigília no controle de reações destemperadas quando minhas convicções são atacadas ou desprezadas.
Longe de me tornar um monge tibetano, consigo ao menos avaliar o quanto meu próprio ego se esforça para sabotar minha inteligência de convívio, e, assim vou melhorando aos poucos.
Se eu chegar aos noventa anos, a despeito do cigarro, serei um lama jubilado.
As intolerâncias na convivência são as maiores responsáveis pelo caos generalizado das relações mais preciosas em nossas vidas, mas também nos ensinam coisas importantes, entre elas que os nossos limites são mutáveis, a despeito das tais idiossincrasias.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Chamem David!

Afora ser um dos maiores talentos da pintura francesa de todos os tempos, Jacques Louis David foi sem dúvida o de maior presença nos eventos que mexeram com a vida dos franceses entre a Revolução Francesa e o Império de Napoleão Bonaparte. Um talento que sobreviveu ao seu tempo, mas sob um crivo mais severo: um artista chapa branca. Capaz de aderir a qualquer governo ou ideologia. David retratou as batalhas e símbolos dos anos de afirmação da Revolução Francesa, tão importante que quando alguma coisa espetacular estava por acontecer e merecia um registro pictórico, alguém do núcleo de Robespierre bradava: “chamem David!”. Retratou a morte de Jean Marat de forma esplêndida e, de um jeito que só ele sabia fazer, escapou da guilhotina quando seu protetor Robespierre foi condenado. Caiu nas graças de Napoleão e virou o pintor oficial do novo imperador. Seguiu sendo o pintor oficial da França até que Luís XVIII, irmão do decapitado Luís XVI, assumiu o comando da nação após o e

Só falta você

Ê-ê-ê-ê, só falta você, capricha no samba pra gente vencer! Este era o refrão do samba enredo que o último bloco de carnaval do qual fiz parte, nos meus tempos de juventude e solteirice na cidade de Canela, levou para a competição de blocos do Clube Serrano. O tema escolhido foi Luzes da Ribalta, uma homenagem a Charles Chaplin, eu fui incumbido dos desenhos das alegorias e estandartes, além de atuar como Carlitos em uma cena especialmente feita para a apresentação no clube. Por algum motivo acho que exagerei na dramaticidade, era uma cena inspirada no filme O Garoto, interpretado pelo Paulo Rizzo, pois quando encerramos a performance (que incluía um violinista tocando Smile enquanto a bateria permanecia em silêncio), irromperam os aplausos mas as pessoas choravam copiosamente. Acho que ganhamos o prêmio de criatividade e inovação, mas foi o fim da minha vida de momo. Antes participei de um bloco chamado Inimigos do Ritmo, que assumidamente não era lá estas coisas com ritmo e mar

República do Marais

Passei minha vida administrando muito pouco dinheiro, quando não à beira da mais pura dureza, portanto nunca projetei muitas viagens que não fossem terrestres. Conheço pessoas que amam viajar, quanto mais melhor, e para lugares bem diversos dentro do país ou ao redor do planeta. São descolados, aventureiros e até esportistas, gente que habita aeroportos e hotéis nos quatro cantos do mundo. Muitos viajam por razões profissionais, de forma mais ou menos frequente, enfim é um povo acostumado às viagens, aos diversos climas e fuso-horários. No meu caso, toda viagem é uma tortura que inicia à medida que sua data aproxima. Sou entocado, gosto de ficar em casa e sair de automóvel por perto para voltar logo.  Detesto voar. Sem falar nas esperas em aeroportos. Mas se o destino for Paris, gasto meu último tostão e suporto tudo com resignação. Nos últimos cinco anos, por 17 dias anuais, o bairro do Marais é meu lar em Paris. Isto é simplesmente mágico, o velho casario da Rue Charlot,