Comparo a juventude da minha geração, cinquentões e
cinquentinhas, a uma espécie de Idade Média Contemporânea, especialmente entre
os de origem mais ‘pelada’ por assim dizer.
Morei por um bom tempo em casa sem energia elétrica e sanitário
separado da residência, chamávamos patente, um termo estranho para a finalidade
do imóvel.
Mais tarde acabou rebatizado mais adequadamente como casinha.
Mais tarde acabou rebatizado mais adequadamente como casinha.
Com o tempo chegou a luz, o rádio e, quando eu já estava com
treze anos, assisti pela primeira vez televisão na minha própria casa.
Estreei bem, Copa do Mundo de 1970, tevê marca Admiral e a antena cravada no pátio, no alto de um poste de eucalipto, onde seguidamente alguém tinha encostar a escada e mover a antena de recepção de um lado para o outro.
Estreei bem, Copa do Mundo de 1970, tevê marca Admiral e a antena cravada no pátio, no alto de um poste de eucalipto, onde seguidamente alguém tinha encostar a escada e mover a antena de recepção de um lado para o outro.
O medievalismo vem daqueles hábitos toscos, mas sofisticados em
sua proposta.
Por exemplo, naquela época sempre havia um parente que aplicava
as injeções de tratamentos médicos em toda família. Tínhamos a Rose e o tio
Zeca.
Era um status respeitável e o equipamento de causar inveja ao
Doctor Lecter, tal como a enorme seringa de vidro e a não menos exagerada
agulha com encaixe de rosca para completar o aparelho.
Era assim mesmo, aparelho de fazer injeção.
Tudo era posto para ferver enquanto a vítima era tranquilizada
sob o olhar curioso de toda parentada que estivesse por perto.
Tio Remi foi de longe o sujeito com maior fobia de injeção que
já conheci.
Uma vez precisou tomar várias aplicações diárias de benzectacil
e procurou o tio Zeca. Enquanto o aparelho era “esterelizado’, tio Zeca
explicava ao apavorado Remi que a aplicação teria que ser feita de forma lenta
para não entupir a agulha.
Sugeriu que o seu covarde paciente tomasse a espetada na nádega.
Nem pensar.
“Aqui no braço esquerdo, mas não me espeta o osso”, preocupação
razoável pois meu tio tinha muita energia mas seu deltoide era muito pouco
promissor.
A cena era assim, tio Remi fechava os olhos e virava o rosto
enquanto tio Zeca espetava seu braço magro e, a medida que o líquido oleoso era
pressionado com calma e vagar, meu pobre tio ia se arqueando para o lado
contrário e gemia em um quase cochicho, “vai Zezeca, acaba logo com este
sofrimento”.
Ao final, tio Remi restava deitado sobre a cadeira mais próxima
e tio Zeca inclinado para acompanhar o movimento do seu paciente.
Hoje ficou bem menos traumático tomar uma injeção, embora ainda
seja ruim.
Nossos recursos tecnológicos disponíveis atualmente - tevê a
cabo, telefonia celular e todas as maravilhas da internet, carros com injeção
eletrônica, supermercados e ambientes sociais com ar condicionado – apenas para
citar as obviedades, fizeram a ficção científica das nossas velhas séries de
tevê uma profecia que se concretizou ainda durante as nossas existências.
É tanta mudança que às vezes fica difícil entender tudo que está
acontecendo.
Mas, como dizia o tio Remi, já refeito e pronto para ir embora:
“nem doeu”.
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