Pular para o conteúdo principal

Ainda escrever


O Giuliano leu meu post Escrever.
Fato em si mesmo admirável, uma vez que o Giu raramente lê minhas postagens.
Ele costuma dizer que somente lê aqueles conteúdos que lhe possam ser úteis.
Desta vez abriu uma exceção. Não apenas leu como também veio comentar comigo.

Passamos a debater o post a partir do quanto possuir o dom natural é, ou não, imprescindível na construção de um verdadeiro mestre da literatura.
Lá pelas tantas, enquanto eu fazia a defesa de outro componente indispensável para elaborar o caldo de um escritor diferenciado - a paixão pelo metier – notei que o meu amigo ainda buscava determinar a real importância do talento natural.

Aí me dei conta que o Giu confundira o sentido da palavra inata, fato corriqueiro, utilizada na minha frase de abertura do post: “a arte de escrever bem é inata”.
Meu amigo mineiro entendeu às avessas, ou seja, que a arte de escrever bem não é um atributo natural. Inata é uma palavra que confunde as pessoas.
Feito o esclarecimento do sentido correto da palavra, nosso debate se complicou, porque roubou o sentido dos questionamentos feitos pelo Giu. Uai?

Durante a conversa eu me esforcei em destacar outras virtudes indispensáveis ao protótipo acabado do grande mestre, especialmente a questão da paixão pelo meio de expressão, e também a necessidade de sobrevivência do escritor.
É comum encontrar na galeria dos ícones da literatura gente que escreveu a vida inteira para comer, beber e pagar suas contas domésticas, sem prejuízo da obra.

Acredito que para dominar a grande arte de escrever se faz necessário nascer com uma bagagem congênita (inata). Mas também é imprescindível ser movido pela paixão, seja pela paixão de contar alguma coisa ou pela forma de como fazer isto, ou ainda, pela combinação das duas coisas.
Um tanto de necessidade básica também conta, ou seja, ganhar a vida.

Depois vêm as outras coisas, presentes tanto na obra dos grandes quanto nos trabalhos dos escritores medianos, fatores que ajudam, mas não garantem a ninguém o ingresso no Olimpo da arte.
Entre elas o hábito de ler muito e sempre, uma boa formação acadêmica ou até autodidata, o apreço pela escrita elegante e uma bagagem de conhecimentos e vivências maior que a média das pessoas e muito rica em diversidade.

Mas mestre de verdade tem sempre o talento inato na origem da sua arte. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ainda Estou Aqui

Com minhas desculpas ao Marcelo Rubens Paiva e ao Walter Salles, me utilizo do título do livro/filme tão em pauta nestes dias que antecedem a entrega do Oscar, para marcar meu retorno à rotina de escrever no meu blog. Foi difícil voltar. A poeira cobriu tudo com grossas camadas e para deixar o ambiente limpo, arejado e propício para este retorno foi preciso uma determinação férrea e uma coerência refletida, qual seja a de retomar o antigo blog e seguir a partir dele, porque o hiato de tempo sumido foi grande, parecia definitivo mas não foi e, ao retomar as crônicas quero preservar o que eu já havia feito. Os tempos mudaram, eu mudei em muitos aspectos, mas ainda sou a mesma pessoa, esta é a coerência que desejo preservar. A grande novidade é que neste ínterim, eu envelheci, não como metáfora mas como fato da vida. Escrevi minhas últimas crônicas aos cinquenta e poucos anos, retorno agora já bem próximo dos setenta, antes em plena atividade profissional e morando em Porto Alegre, agora ...

O Rei, o Mago, o Bardo e o Bobo.

Eles se encontraram por um breve tempo às bordas da floresta alta, nas franjas verdes do grande vale. O Rei, sempre magnânimo com todos que mostravam admiração e simpatia por suas ideias e preleções, contratou o Bobo para escrever suas memórias. O Mago que conhecia o Rei de muitas luas procurava descobrir as conexões emocionais com os novos amigos e celebrar as revelações deste encontro. O Bardo só queria levar suas canções e melodias ao coração de todos, especialmente ao do Rei, para o qual compôs uma bela ode. O Bobo amava os encontros e se divertia em pregar peças no Rei e propor charadas aos companheiros, mas também se emocionava e se encantava com os novos amigos e os seus talentos. Tudo andava de forma mágica e envolvente até o dia em que o Rei, olhou severo para o Bobo e sentenciou:  - Você distorce tudo o que eu digo, duvida de tudo que eu sigo e escreve somente a tua versão das coisas que eu lhe relato! Me sinto desrespeitado e quero que você saiba disso. A partir dali os ...

Velhas fotos coloridas

 Hoje aproveitei a chuva e o tempo gris para remexer nos velhos arquivos fotográficos que a Neca, minha namorada desde as Diretas Já, guarda com todo zelo e carinho. Minha busca, os amigos e os encontros com eles. E lá estavam, uma profusão de conexões, quase todas em celebrações diversas. É incrível como fazíamos festas, a vida era uma festa. E olha que problemas existiam e nunca foram poucos, mas tínhamos a juventude e o seu apetite insaciável por viver e se reunir. As fotos ainda conservam, em sua maioria, um colorido vivo impresso no papel fotográfico. Ninguém portava telefone celular, quando muito uma  câmera fotográfica ou uma filmadora. E a gente dançava, se fantasiava, ia para a praia em bando, comíamos muito, jogávamos qualquer coisa para passar as tardes de chuva enquanto alguém preparava bolinhos, sonhos, bolos e, é claro, pipoca. Bebíamos, éramos beberrões de cerveja, de batidinhas e boa parte de nós, fumava. Alguns, eu entre eles, não somente cigarros. E a gente v...