Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de maio, 2012

Ainda escrever

O Giuliano leu meu post Escrever. Fato em si mesmo admirável, uma vez que o Giu raramente lê minhas postagens. Ele costuma dizer que somente lê aqueles conteúdos que lhe possam ser úteis. Desta vez abriu uma exceção. Não apenas leu como também veio comentar comigo. Passamos a debater o post a partir do quanto possuir o dom natural é, ou não, imprescindível na construção de um verdadeiro mestre da literatura. Lá pelas tantas, enquanto eu fazia a defesa de outro componente indispensável para elaborar o caldo de um escritor diferenciado - a paixão pelo metier – notei que o meu amigo ainda buscava determinar a real importância do talento natural. Aí me dei conta que o Giu confundira o sentido da palavra inata , fato corriqueiro, utilizada na minha frase de abertura do post: “a arte de escrever bem é inata”. Meu amigo mineiro entendeu às avessas, ou seja, que a arte de escrever bem não é um atributo natural. Inata é uma palavra que confunde as pessoas. Feito o esclarec

Escrever

A arte de escrever bem é inata. Habilidade que se faz presente em quase todas as atividades, o texto é valorizado. Quem escreve bem flui naturalmente e, lá pelas tantas, dribla o contexto sem perder o norte da sua fala. Ao contrário, enriquece e valoriza o assunto. Redatores publicitários, por exemplo, são especialistas em dribles curtos, passes precisos e poucos chutes, de preferência certeiros. Os jornalistas também. Sempre gostei de escrever, descrever, contar uma história, provocar conversa e driblar a atenção dos meus interlocutores. É divertido. Mas a categoria de escritores que pretendo referir é outra. Os mestres. Um escritor de raiz é um prestidigitador da palavra, capaz de transformar bula de remédio em literatura russa. Não existe o maior dos escritores, os mestres são incomparáveis. Mas existem as preferências, e eu coloco Shakespeare entre os dez mais. Expressou com energia e sarcasmo a essência social da raça humana de uma forma quase contemporân

Neve

Posso apostar que meu tio Ari, irmão do meu pai, morreu entre 19 e 20 de agosto de 1965. Isto porque tio Ari achou de morrer durante a pior nevasca que o sul do Brasil registrou em cem anos, desde as lendárias neves de semanas inteiras, contadas pelos muito antigos. Que neve a de 1965! De sumir com a paisagem e durar dois dias inteiros. Eu tinha oito anos e brincava de submarino na salinha da minha casa. Fogão a lenha com a chapa vermelha de tão quente e panos forrando as frestas do chalé. Brincava de submarino me alojando sob uma instalação de cadeiras que eu mesmo fazia para o desespero da minha mãe, imitando com o canto da boca o efeito sonoro da série de televisão Viagem ao Fundo do Mar, que eu descobrira vendo tevê na casa da tia Noêmia. Até porque, naquela época, a luta para garantir três refeições diárias para a família, era tudo. Voltando ao fundo do mar, lá estava eu falando como se fosse o Almirante Nelson e o Capitão Lee, trocando informações. Como toda c

Legal

E lá estava eu, trepado no pé-de-pera. No esplendor irresponsável dos meus doze anos, depois de correr atrás de bola a tarde inteira no campinho de serragem, resolvi pular o muro do casario dos Selbach e roubar umas perinhas-manteiga, amarelinhas e no ponto. Sob a proteção divina do lusco fusco da noitinha fui até quase o topo, apreciei a vista da minha rua. Era bonita. Poucas casas, quase todas de madeira na velha rua de pedregulho e as dezenas de chaminés soltando aquela fumaça que avisava da janta, dali a quase uma hora. Mundo maravilhoso, jogo de bola, casa quentinha, comida no fogão e as peras grátis do Seu Selbach para garantir minha sobremesa. Escolhi os galhos onde vi as mais maduras, sacudi um, depois o outro e, epa! Seu Selbach ali, bem debaixo de onde eu estava, me olhando com uma careta meio estranha. Ai, ai, estou frito, pensei. Pior, minha mãe vai me matar. - Tu não é o Juarez, filho da Dona Lorita? - Oi Seu Selbach, boa noite. Nossa como o senhor me r