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Escrever


A arte de escrever bem é inata.
Habilidade que se faz presente em quase todas as atividades, o texto é valorizado.
Quem escreve bem flui naturalmente e, lá pelas tantas, dribla o contexto sem perder o norte da sua fala. Ao contrário, enriquece e valoriza o assunto.

Redatores publicitários, por exemplo, são especialistas em dribles curtos, passes precisos e poucos chutes, de preferência certeiros. Os jornalistas também.
Sempre gostei de escrever, descrever, contar uma história, provocar conversa e driblar a atenção dos meus interlocutores. É divertido.
Mas a categoria de escritores que pretendo referir é outra. Os mestres.

Um escritor de raiz é um prestidigitador da palavra, capaz de transformar bula de remédio em literatura russa.
Não existe o maior dos escritores, os mestres são incomparáveis.

Mas existem as preferências, e eu coloco Shakespeare entre os dez mais.
Expressou com energia e sarcasmo a essência social da raça humana de uma forma quase contemporânea, mergulhou em abismos do desespero existencial e emergiu em belos campos medievais, onde as donzelas eram recatadas safadinhas e os solteiros pegavam as cortesãs, enquanto os apaixonados se maneavam em tragédias pessoais.

Saindo da Inglaterra medieval para o Alegrete da primeira metade do século vinte, existiu um poeta excepcional chamado João da Cunha Vargas que criava seus poemas e os memorizava sem escrever, artifício que ele não dominava.
Recitando-os ao longo da vida manteve sua obra preservada. Ditou seus poemas para gravá-los no livro Deixando o Pago, um dos seus mais belos textos.
Tornou-se um nome conhecido através do trabalho do músico Vitor Ramil, que transformou seus poemas em canções de um lirismo cativante.

João da Cunha Vargas é o equivalente gaúcho à Patativa do Assaré, cordelista genial que nasceu e viveu como um humilde sertanejo cearense de poucas letras.
O compositor e cantor Fagner trouxe o verso de Patativa para a canção popular e fez parceria com o grande compositor, ainda vivo naquela época.

Muitos são os mestres, produzem obras maravilhosas com o dom mágico da palavra.
Em todos eles é nítido que o tom pessoal genuíno é o segredo da alquimia.

Comentários

Allyson disse…
Se tu fosse publicitário e não escrevesse bem nem fosse articulado com as palavras , morreria de fome, meu amigo.

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