E lá estava eu, trepado no pé-de-pera.
No esplendor irresponsável dos meus doze
anos, depois de correr atrás de bola a tarde inteira no campinho de serragem,
resolvi pular o muro do casario dos Selbach e roubar umas perinhas-manteiga,
amarelinhas e no ponto.
Sob a proteção divina do lusco fusco da
noitinha fui até quase o topo, apreciei a vista da minha rua. Era bonita.
Poucas casas, quase todas de madeira na velha rua de pedregulho e as dezenas de
chaminés soltando aquela fumaça que avisava da janta, dali a quase uma hora.
Mundo maravilhoso, jogo de bola, casa
quentinha, comida no fogão e as peras grátis do Seu Selbach para garantir minha
sobremesa.
Escolhi os galhos onde vi as mais maduras,
sacudi um, depois o outro e, epa!
Seu Selbach ali, bem debaixo de onde eu
estava, me olhando com uma careta meio estranha. Ai, ai, estou frito, pensei.
Pior, minha mãe vai me matar.
- Tu não é o Juarez, filho da Dona Lorita?
- Oi Seu Selbach, boa noite. Nossa como o
senhor me reconheceu no escuro?
- Tem mais alguém que rouba minhas frutas
além de ti?
- Bah Seu Selbach, o senhor me desculpa! Eu
juro que não vou fazer mais isto.
- Conheço gente que faz promessa, mas não vi ninguém
mais rápido que tu.
- Eu já tava indo embora... Por favor me
desculpa.
- Desce daí com cuidado rapaz, não vai te
machucar.
No chão, aliás com a cara no chão de tanta
vergonha, tentei sair correndo e o velho senhor me segurou pelo braço.
- Não, não, não! Junta as peras que você
derrubou e leva contigo, pega aquela sacola.
- Mas a sacola é do senhor?
- As peras também são, nem por isto tu te
importou de pegar escondido.
Me escoltou até o portão da sua bela
propriedade, no caminho desviou o assunto e passou a me falar de coisas boas que
podiam ser preparadas com aquelas frutas.
Eu mudo.
Quando ultrapassei o gradil do portão meu
coração relaxou e, tentando ser gentil com meu vizinho (afinal ele ainda
poderia me entregar para Dona Lorita), falei...
- Desculpa mais uma vez Seu Selbach e muito
obrigado pelas peras. O senhor é uma pessoa muito legal.
O rosto do velho senhor se iluminou em um
sorriso franco.
- Juarez, legal pra mim é quem é legal
comigo.
Era só voltar com a sacola e entrar pelo portão, perdeu a graça.
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