Pular para o conteúdo principal

Sinais

O fato é inusitado mas aconteceu comigo a poucos dias.
Entrei no consultório, a jovem médica me acomodou em uma poltrona e indagou com sua voz tranquila:

- Então seu Juarez... Me fale sobre o motivo da sua consulta?
- São os sinais. Gostaria de uma avaliação médica sobre eles.
- Sinais? O senhor vê estes sinais?
- Algumas vezes, mas não ligou muito não. O que me preocupa é saber se eles oferecem algum perigo.
- Mas os sinais lhe indicam alguma coisa neste sentido? Com são estes sinais?
- Não são todos iguais, alguns parecem apenas manchas, outros têm volume e... este aqui por exemplo... Desculpa, mas a senhora é dermatologista?
- Não, eu sou psiquiatra, acho que tivemos um ruído na comunicação, o senhor me aguarde que vou verificar com a recepcionista, com licença.

Em menos de dois minutos a médica retornou meio constrangida e se desculpou pelo equívoco na agenda da clínica, a dermatologista tem o mesmo nome da psiquiatra e a moça da marcação de consultas assinalou na especialidade errada.
Percebendo que eu encarei com naturalidade o incidente, a psiquiatra me sugeriu que aproveitasse a consulta, afinal já estava no consultório. Declinei da gentileza, pois meu plano de saúde tem aquele detalhe de que o usuário paga uma pequena diferença em cada consulta ou exame realizado.
Não que me falte assunto para uma entrevista psiquiátrica, mas a questão econômica é bem mais relevante neste momento da minha vida.

Pois é, como existem acidentes de percurso. Alguns são apenas risíveis como o caso da minha consulta equivocada, outros são capazes de mudar o destino das pessoas.
O sujeito atrasa, perde seu vôo e o avião cai. Ou ainda, consegue aquele lugar no vôo que ia partir antes e... acaba por conhecer sua futura esposa.
Nada é totalmente exato em se tratando de existência humana.
No filme Tempos Modernos, o personagem de Charles Chaplin observa uma marcha de grevistas e percebe que alguém deixa cair uma bandeira. Inocentemente apanha o objeto e corre para entregar ao distraído grevista, nisto a multidão se volta e começa a correr na sua direção. Assustado ele foge sem largar a bandeira e é preso como suspeito de liderar o movimento.

A cena é de rolar de rir.

Entendo que muita gente deve aportar aos consultórios psiquiátricos com suas emoções mais ou menos descontroladas diante das tantas pressões que o cotidiano distribui de forma impessoal aos seres humanos. Algumas pessoas simplesmente se ajustam ao melhor e ao pior sem perder o seu centro de gravidade, lidam ao natural com o estresse.
Mas tem muita gente vendo sinais por aí... E não é caso para consulta dermatológica.

Comentários

Gui Scheinpflug disse…
hilário... sinais kkkkk huahauhuahua hahahaha HAHAHA

Postagens mais visitadas deste blog

Chamem David!

Afora ser um dos maiores talentos da pintura francesa de todos os tempos, Jacques Louis David foi sem dúvida o de maior presença nos eventos que mexeram com a vida dos franceses entre a Revolução Francesa e o Império de Napoleão Bonaparte. Um talento que sobreviveu ao seu tempo, mas sob um crivo mais severo: um artista chapa branca. Capaz de aderir a qualquer governo ou ideologia. David retratou as batalhas e símbolos dos anos de afirmação da Revolução Francesa, tão importante que quando alguma coisa espetacular estava por acontecer e merecia um registro pictórico, alguém do núcleo de Robespierre bradava: “chamem David!”. Retratou a morte de Jean Marat de forma esplêndida e, de um jeito que só ele sabia fazer, escapou da guilhotina quando seu protetor Robespierre foi condenado. Caiu nas graças de Napoleão e virou o pintor oficial do novo imperador. Seguiu sendo o pintor oficial da França até que Luís XVIII, irmão do decapitado Luís XVI, assumiu o comando da nação após o e

Só falta você

Ê-ê-ê-ê, só falta você, capricha no samba pra gente vencer! Este era o refrão do samba enredo que o último bloco de carnaval do qual fiz parte, nos meus tempos de juventude e solteirice na cidade de Canela, levou para a competição de blocos do Clube Serrano. O tema escolhido foi Luzes da Ribalta, uma homenagem a Charles Chaplin, eu fui incumbido dos desenhos das alegorias e estandartes, além de atuar como Carlitos em uma cena especialmente feita para a apresentação no clube. Por algum motivo acho que exagerei na dramaticidade, era uma cena inspirada no filme O Garoto, interpretado pelo Paulo Rizzo, pois quando encerramos a performance (que incluía um violinista tocando Smile enquanto a bateria permanecia em silêncio), irromperam os aplausos mas as pessoas choravam copiosamente. Acho que ganhamos o prêmio de criatividade e inovação, mas foi o fim da minha vida de momo. Antes participei de um bloco chamado Inimigos do Ritmo, que assumidamente não era lá estas coisas com ritmo e mar

República do Marais

Passei minha vida administrando muito pouco dinheiro, quando não à beira da mais pura dureza, portanto nunca projetei muitas viagens que não fossem terrestres. Conheço pessoas que amam viajar, quanto mais melhor, e para lugares bem diversos dentro do país ou ao redor do planeta. São descolados, aventureiros e até esportistas, gente que habita aeroportos e hotéis nos quatro cantos do mundo. Muitos viajam por razões profissionais, de forma mais ou menos frequente, enfim é um povo acostumado às viagens, aos diversos climas e fuso-horários. No meu caso, toda viagem é uma tortura que inicia à medida que sua data aproxima. Sou entocado, gosto de ficar em casa e sair de automóvel por perto para voltar logo.  Detesto voar. Sem falar nas esperas em aeroportos. Mas se o destino for Paris, gasto meu último tostão e suporto tudo com resignação. Nos últimos cinco anos, por 17 dias anuais, o bairro do Marais é meu lar em Paris. Isto é simplesmente mágico, o velho casario da Rue Charlot,