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Doce desgraça

Nosso etílico poetinha Vinícius de Moraes é quem se referia à vida como “uma doce desgraça”. Assino embaixo. Ninguém é tão miserável que não tenha algumas boas lembranças de momentos compartilhados em família, ou com amigos, quem sabe no romance e até mesmo no trabalho. Tampouco é impossível passar impune por esta experiência terrena, onde quem viver, sofrerá. Se não for por si mesmo, será pelos outros e, quase sempre, pelo conjunto da obra. Até porque nossas noções das coisas são construídas sobre os contrapontos. Os nossos primeiros desenhos costumam definir o alegre e o triste com uma simples curva para cima e para baixo. Tudo já está posto. Mas alguns modelos culturais e certas épocas chegam às raias do absurdo em seu esforço manipulador de negação do sofrimento e das frustrações. Na minha adolescência o slogan do governo brasileiro era Nunca Fomos Tão Felizes. Hoje, os nossos governantes juram que o Brasil é Um País de Todos. Claro que a vida de verdade, individual e...

Pobreza Educativa II

Pobreza Educativa era uma brincadeira particular que, eu e meu filho, criamos para emprestar um sentido mais otimista à nossa escassez de dinheiro. Funcionava mais ou menos assim, se ele me pedisse um par de tênis como presente de aniversário e eu comprasse uma marca diferente da sua preferida, ao invés de um sorriso amarelo, a gente se divertia com a situação. Afinal nem sempre o orçamento familiar permitia comprar um Nike de última geração, mas com um pouco de criatividade era possível adquirir um Asics, bem maneiro e projetado especialmente para a prática do vôlei, o esporte preferido dele. Com a diferença de investimento ainda era possível sairmos para jogar sinuca. No fim das contas era possível economizar sem abrir mão do churrasco e dos passeios. Claro que isto funcionava com o Pablo, um menino que já nasceu atento às realidades da vida e nunca fez muito drama com as coisas. Nossa ideia era viver de acordo com aquilo que as circunstâncias permitiam sem choraminga...

Gênios

Conta-se que Pablo Picasso em seus verdes anos, pintava muito, ganhava pouco e gastava por conta do futuro. Mesmo na penúria mantinha uma cozinheira a seus serviços e a fazia encarar o açougueiro do vilarejo com suas compras generosas e as promessas de pagamento para dali a poucos dias. Tanto foi que o homem deixou de achar divertido o engodo do seu devedor e a mandou cobrar Picasso, caso ele quisesse manter o seu crédito. Pablo juntou uma dúzia de esboços e os entregou a cozinheira com o recado de que este era o seu pagamento por ora. A moça, que imagino fosse matreira e jeitosa ou a perfeita idiota, cumpre seu mando e entrega um envelope bem caprichado para o boquiaberto comerciante. Ele examina o material e, magnânimo, ainda a deixa levar as compras do dia, mas quando ela se virava para sair, ele a detém mansamente, “ei moça, por favor, leva isto para o mestre e diga a ele que é o troco”. E alcança à mulher três pedaços de embrulho com algumas garatujas feitas por ele. ...

For my friend(s)

Amir e Hassan são amigos de infância como tantos outros pelo mundo e através dos tempos, no caso são personagens do livro O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini, e das suas histórias guardei a frase que Hassan dizia para Amir, quando este abusava da sua boa fé mandando que fizesse sempre as tarefas mais difíceis: “por você eu faria isso mil vezes”. Considero meu seleto grupo de amigos, aqueles que meu coração escolheu, como um dos mais valiosos patrimônios que a vida me permitiu ter. Amigos de verdade, recíprocos e sinceros, se contam em um dígito. São raros e especiais. Tenho amigos que ficaram na minha cidade natal, outros que fiz nas andanças da juventude e se evaporaram com os ventos do tempo, mas nenhum deles perdeu seu lugar na minha memória. Tem aqueles que nos acompanham muito de perto durante anos e até décadas. Assim é a história da minha amizade com André Benicio,meu sócio e amigo de tempo integral. O trabalho foi a porta que deu acesso à nossa apresentação ...

Panzer e eu

Esse é o espaço onde posso falar sobre o meu cão sem que ele tenha acesso. Vai saber, cada vez eles entendem mais palavras, daí para aprender a ler é um pulinho. O Panzer, meu pastor-alemão, está se aproximando do oitavo aniversário e eu do meu quinquagésimo sexto.  Isso que significa que estamos nos encontrando em um momento cronológico significativo de nossas vidas, somos os coroas que, com um pouco de cuidado e sorte, conquistarão o status de velhos em horizontes nem tão distantes. Enquanto isso, seguimos curtindo as nossas três ou quatro longas caminhadas semanais. Devo admitir que o Panzer está melhor conservado do que eu. Acho que o envelhecimento dos cães bem cuidados é menos visível que o processo no ser humano, por outro lado eles batem a cola com 13 ou 14 anos e a gente emplaca uns 75 aniversários, a não ser que o imponderável das infinitas fatalidades resolva nos escolher. Somos uma boa simbiose, eu e o Panzer, nos comunicamos no silêncio e temos um a...

Em frente

Seguir o fluxo da vida tem sido o destino natural da espécie humana. Tão natural como enfrentar as pestes, a fome, as guerras, os cataclismos e os atuais parâmetros de competitividade e de individualidade radical. Vivemos tempos de ansiedade, de grandes promessas e de poucas certezas. Tudo ao mesmo tempo agora. Somos pessoas digitais, instantâneas e descoladas. Ou jurássicas. Chegar à maturidade dos anos é ter que lidar com estas e outras transformações. Alguns se retiram da paisagem e buscam o doce ostracismo do lar, mas isto ainda é um luxo exclusivo dos previdentes financeiros, das mentes brilhantes e daqueles que receberam algum quinhão dos seus ascendentes, ainda com saúde para aproveitar. No mais a vida é uma planície onde todos disputam espaço e buscam sobreviver. Os mais velhos precisam necessariamente ser mais espertos para compensar a força e a velocidade que o tempo lhes vai consumindo paulatinamente. Mais do que isto, precisam superar um modelo d...

A vida como ela é

A escritora Pamela Druckerman é uma norte americana de meia-idade, charmosa em seu estilo contemporâneo e que, por conta do seu sucesso profissional, decidiu viver em Paris. Jornalista consagrada ela trabalhou para alguns dos ícones da imprensa mundial, entre eles o Wall Street Journal, Washington Post, New York Times e Marie Claire. Seus textos e pesquisas convergem para as venturas e desventuras da vida em família, a criação dos filhos e as questões que permeiam a infidelidade conjugal. Em seu livro Na Ponta da Língua , de 2009, que eu ainda não li, Pamela revelou como a infidelidade casual pode ser vista sob diferentes prismas, dependendo da cultura de cada país. Ela estudou cerca de 24 países com base na observação e entrevistas com pessoas casadas, obtendo um ranking da infidelidade. O Brasil ocupa uma discreta posição intermediária entre os países pesquisados. Sem entrar no mérito da confiabilidade de sua pesquisa, me parece que o melhor das análises de Druckerm...