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Odeio Natal

Os religiosos e os comerciantes que me perdoem, mas odeio Natal. Quando chega esta época do ano já me preparo para enfrentar as duas situações que mais abomino no calendário gregoriano, o calorão infernal do verão gaúcho e as festas natalinas que só acabam na euforia irracional do ano novo. Vou me fixar no Natal, que para mim é a expressão máxima da torração de paciência. Tudo bem que as crianças precisam desta atmosfera mágica e de todo encantamento que ela traz consigo para o imaginário da infância. Mas vamos combinar que é um período que deixa a população meio esquizofrênica sem falar na mídia que abusa daquelas matérias melodramáticas sobre os milagres natalinos, parecendo que a humanidade inteira virou a Madre Teresa de Calcutá. É impossível entrar em qualquer shopping depois da metade de dezembro, as cidades ficam copiando idéias umas das outras e achando que o seu evento é o supra sumo da criatividade. O resultado é um mar de avenidas, ruas e praças infestadas daquelas luzinhas ...

Faz de Conta

Nós, as criaturas humanas, somos a mais fantástica combinação entre inteligência, estupidez e comportamento delirante que a natureza foi capaz de produzir. Multiplicamos nossa espécie por todo o planeta, dominando o reino animal e imensa parte das forças naturais, transformando rios e ventos em energia capaz de produzir luz e movimentar toda parafernália que sustenta a civilização contemporânea. Vivemos na era do laptop, da internet e do telefone celular. Assistimos centenas de canais de tevê em telas finas de grande formato e alta definição, nossos automóveis usam vários tipos de combustível, vêm com ar condicionado, bancos reguláveis, direção hidráulica e até monitoramento de localização por satélite. A medicina é capaz de substituir quase todos os órgãos vitais falidos por outros que se retiram de cadáveres “sadios” e, em breve, produziremos os próprios sobressalentes à base do cultivo de nossas próprias células-tronco. É o faz-de-conta da vida atual. Faz de conta que funciona fácil...

Segredos

Quem nunca fez uma bobagem qualquer na vida? Falo dos pequenos deslizes que se perderam no passado, coisas da infância e da juventude, como passar trotes ao telefone, espiar a prima no banho, filar iogurte em um supermercado ou imitar a assinatura da mãe no boletim da escola. Todo pai ou educador sabe que estas inocentes travessuras ganharam um tom mais sinistro nos tempos atuais, onde o limite entre brincadeira e delinqüência é bem mais complexo do que outrora. A cultura do politicamente correto inibiu a inocência destas divertidas memórias, transformando-as em herméticos segredos de cada indivíduo. Mas a vida tem sua parcela de indiscrição e, de vez em quando, certas vivências que julgávamos evaporadas ressurgem com a contribuição de outras pessoas. E quando isto acontece, descobrimos o sentido real da expressão saia justa. Com o Carvalho foi assim.Tenso e intelectualizado, o Carvalho leva quase tudo muito a sério, seu trabalho, suas idéias e seus compromissos com tudo aquilo que acr...

Rincões

Curiosos os nossos vínculos com os lugares onde vivemos e nos relacionamos. Eu por exemplo, sou canelense de berço, porto-alegrense por livre escolha e, de uns tempos para cá, esteiense por empatia com o lugar. Me dei conta da conexão com Esteio um dia destes quando, ao cruzar a ponte depois da Refap, tive aquela sensação confortante de estar chegando em casa. Bem que poderia ser apenas o alívio de ter abandonado a BR-116 e estar trafegando por uma via mais tranqüila, mas era um sentimento mais assemelhado ao que tenho cada vez que, vencendo os limites de Gramado, adentro à bela paisagem de Canela. Minha identificação com Esteio surgiu na breve experiência de trabalho que, por três meses, pude vivenciar como integrante da administração pública municipal. Recebi um acolhimento extremamente caloroso das pessoas com quem convivi neste período, de todas as hierarquias e nos diferentes partidos políticos. Esta minha inédita atuação no meio político governamental, apesar do pouco tempo, me e...

Carpe diem.

Cada vez que me deparo com a morte de uma pessoa querida ou diante de uma tragédia como esta do vôo 3054, que atingiu em cheio o coração de tantas famílias gaúchas, me lembro do professor John Keating, interpretado pelo ator Robin Williams, no filme Sociedade dos Poetas Mortos. Keating é um rebelde por natureza, daquelas pessoas que parecem sempre meio deslocadas do meio em que vivem, mas encantam pela generosidade de seu espírito e por um jeito incomum de olhar para a vida. Na história do filme ele ensina literatura em uma rígida escola americana, mas sua verdadeira obsessão é despertar em seus alunos adolescentes a capacidade de se emocionar diante do cotidiano. Logo no início ele leva a turma para conhecer a galeria de fotos dos antigos formandos e, diante da imagem amarelada de alguns jovens estudantes de muitas décadas atrás, faz com que percebam o fato inexorável de que, a maioria senão todos, estão mortos. Carpe diem, carpe diem, sussura ele nos ouvidos dos alunos que olham para...

Os convidados.

Já faz algum tempo que as confrarias voltaram à moda. De repente as pessoas resolveram cultivar o contato social ao melhor estilo clubinho e, o resultado disto, é uma confraria para cada coisa que se puder imaginar. Do charuto. Da champanha. Do Vinho. Da Gastronomia. Até da Chopeira. Sim, a Confraria da Chopeira. Criada pelo meu amigo Markin, um mineiro bãozinho mas que béébe, béébe. Antes que fique aqui um mal entendido, Markin não é alcoólatra, é apenas um mineiro, e mineiro que é bão, aprecia uma cachacinha digestiva, uma cervejinha diurética e um fejãozinho tropeiro. Pois o Markin veio com a idéia, “comprei uma chopeirinha pra gente se encontrar uma vez por semana, sexta-feira, fim de tarde, lá na firma mesmo, aí a gente vai bebendo e picando uma maminha, enquanto joga prosa fora, até dei um nome pra essa mão toda, Confraria da Chopeira, bacana, né?”. Resultado, aconteceram uns três encontros da Confraria. No primeiro ninguém foi, o Markin ficou chateado mas, com ajuda da Mara, sua...

Sobre as perdas.

Se existe algo que eu respeito de verdade é a dor da perda em quem quer que seja. Há alguns anos, quando Gilberto Gil enfrentou a morte de seu filho, um jovem músico em início de carreira, ele deu uma entrevista emocionante para a Marília Gabriela e, perguntado sobre como estava superando aquela ausência, ele respondeu, “meu filho já existia para mim antes de nascer e vai seguir existindo pelo resto da minha vida”. Grande Gil, ele que já havia dito que morrer deve ser tão frio quanto na hora do parto. Quem nunca provou uma perda dilacerante em sua existência? Elas são variadas e tem infinitos matizes de significância mas, em comum, têm o poder de nos defrontar com a nudez da nossa solidão. O isolamento da perda atinge a todos, do mais pobre ao mais afortunado dos seres humanos. Quando perdemos algo verdadeiramente importante, emerge nossa fragilidade. Pode ser um emprego ou alguém que amamos, às vezes é algo que nem possuíamos mas que já projetávamos como parte da nossa vida. Separaçõe...