Pular para o conteúdo principal

Sobre as perdas.

Se existe algo que eu respeito de verdade é a dor da perda em quem quer que seja. Há alguns anos, quando Gilberto Gil enfrentou a morte de seu filho, um jovem músico em início de carreira, ele deu uma entrevista emocionante para a Marília Gabriela e, perguntado sobre como estava superando aquela ausência, ele respondeu, “meu filho já existia para mim antes de nascer e vai seguir existindo pelo resto da minha vida”.
Grande Gil, ele que já havia dito que morrer deve ser tão frio quanto na hora do parto.
Quem nunca provou uma perda dilacerante em sua existência?
Elas são variadas e tem infinitos matizes de significância mas, em comum, têm o poder de nos defrontar com a nudez da nossa solidão. O isolamento da perda atinge a todos, do mais pobre ao mais afortunado dos seres humanos.
Quando perdemos algo verdadeiramente importante, emerge nossa fragilidade.
Pode ser um emprego ou alguém que amamos, às vezes é algo que nem possuíamos mas que já projetávamos como parte da nossa vida.
Separações que afastam vidas, acidentes e doenças que abrem fendas no coração, o tempo que empurra nossa infância para a adolescência, depois p ara a vida adulta e, se tudo andar razoavelmente bem, para o amadurecimento, a velhice e a morte.
Somos transitórios, mortais como qualquer outro animal.
Mas existem certas pessoas que desenvolvem um dom especial na arte de viver.
São mais que sobreviventes, são criadores de vida, juntam os parcos pedaços que restaram de suas perdas e reinventam o próprio destino. São faróis para o espírito.
Seriam predestinados?
Tenho observado que, aqueles a quem eu conheço, são generosos e compreensivos com as limitações e os defeitos dos outros. O egoísmo e o narcisismo não são bons companheiros na travessia das tempestades, pois é preciso estar com a alma atenta e provar da força que nos torna insignificantes sem abandonar o leme.
Navegar é preciso.
Prefiro escrever sobre as coisas mais banais, fazer o cotidiano ficar mais divertido, mas não há como negar o espaço que as lágrimas e o sofrimento ocupam em nossa breve passagem por este mundo incerto.
Talvez por isto, não vale a pena a gente economizar tanto os nossos abraços.
Não ter o que dizer a quem está vivendo a dor de uma perda é um sentimento normal, mas é fundamental ficar bem próximo, mesmo sem fazer nada, porque até o silêncio pode ser um canto mágico quando precisamos de solidariedade.
A beleza que vem da dor é o retomar da jornada, enxugar as lágrimas e seguir.
É o dia seguinte. Afinal, viver é preciso.

Postagens mais visitadas deste blog

Chamem David!

Afora ser um dos maiores talentos da pintura francesa de todos os tempos, Jacques Louis David foi sem dúvida o de maior presença nos eventos que mexeram com a vida dos franceses entre a Revolução Francesa e o Império de Napoleão Bonaparte. Um talento que sobreviveu ao seu tempo, mas sob um crivo mais severo: um artista chapa branca. Capaz de aderir a qualquer governo ou ideologia. David retratou as batalhas e símbolos dos anos de afirmação da Revolução Francesa, tão importante que quando alguma coisa espetacular estava por acontecer e merecia um registro pictórico, alguém do núcleo de Robespierre bradava: “chamem David!”. Retratou a morte de Jean Marat de forma esplêndida e, de um jeito que só ele sabia fazer, escapou da guilhotina quando seu protetor Robespierre foi condenado. Caiu nas graças de Napoleão e virou o pintor oficial do novo imperador. Seguiu sendo o pintor oficial da França até que Luís XVIII, irmão do decapitado Luís XVI, assumiu o comando da nação após o e

Só falta você

Ê-ê-ê-ê, só falta você, capricha no samba pra gente vencer! Este era o refrão do samba enredo que o último bloco de carnaval do qual fiz parte, nos meus tempos de juventude e solteirice na cidade de Canela, levou para a competição de blocos do Clube Serrano. O tema escolhido foi Luzes da Ribalta, uma homenagem a Charles Chaplin, eu fui incumbido dos desenhos das alegorias e estandartes, além de atuar como Carlitos em uma cena especialmente feita para a apresentação no clube. Por algum motivo acho que exagerei na dramaticidade, era uma cena inspirada no filme O Garoto, interpretado pelo Paulo Rizzo, pois quando encerramos a performance (que incluía um violinista tocando Smile enquanto a bateria permanecia em silêncio), irromperam os aplausos mas as pessoas choravam copiosamente. Acho que ganhamos o prêmio de criatividade e inovação, mas foi o fim da minha vida de momo. Antes participei de um bloco chamado Inimigos do Ritmo, que assumidamente não era lá estas coisas com ritmo e mar

República do Marais

Passei minha vida administrando muito pouco dinheiro, quando não à beira da mais pura dureza, portanto nunca projetei muitas viagens que não fossem terrestres. Conheço pessoas que amam viajar, quanto mais melhor, e para lugares bem diversos dentro do país ou ao redor do planeta. São descolados, aventureiros e até esportistas, gente que habita aeroportos e hotéis nos quatro cantos do mundo. Muitos viajam por razões profissionais, de forma mais ou menos frequente, enfim é um povo acostumado às viagens, aos diversos climas e fuso-horários. No meu caso, toda viagem é uma tortura que inicia à medida que sua data aproxima. Sou entocado, gosto de ficar em casa e sair de automóvel por perto para voltar logo.  Detesto voar. Sem falar nas esperas em aeroportos. Mas se o destino for Paris, gasto meu último tostão e suporto tudo com resignação. Nos últimos cinco anos, por 17 dias anuais, o bairro do Marais é meu lar em Paris. Isto é simplesmente mágico, o velho casario da Rue Charlot,