Pular para o conteúdo principal

Segredos

Quem nunca fez uma bobagem qualquer na vida?

Falo dos pequenos deslizes que se perderam no passado, coisas da infância e da juventude, como passar trotes ao telefone, espiar a prima no banho, filar iogurte em um supermercado ou imitar a assinatura da mãe no boletim da escola.
Todo pai ou educador sabe que estas inocentes travessuras ganharam um tom mais sinistro nos tempos atuais, onde o limite entre brincadeira e delinqüência é bem mais complexo do que outrora. A cultura do politicamente correto inibiu a inocência destas divertidas memórias, transformando-as em herméticos segredos de cada indivíduo.
Mas a vida tem sua parcela de indiscrição e, de vez em quando, certas vivências que julgávamos evaporadas ressurgem com a contribuição de outras pessoas. E quando isto acontece, descobrimos o sentido real da expressão saia justa.
Com o Carvalho foi assim.Tenso e intelectualizado, o Carvalho leva quase tudo muito a sério, seu trabalho, suas idéias e seus compromissos com tudo aquilo que acredita. Sua firmeza de propósitos é apreciada pelos colegas e amigos, mas até sua mulher reclama de um certo exagero na sua dedicação, pois acaba deixando a si próprio em segundo plano.
Pois o Carvalho, companheiro fiel, profissional comprometido, marido exemplar e pai amoroso, se viu em uma sinuca de bico no dia em que a Tássia, sua linda estagiária, escancarou um fato constrangedor do seu passado diante do departamento inteirinho.
- Vocês não vão acreditar, mas a minha mãe tem uma foto do Chefinho só de sunga com as bordas cheias de dinheiro e o peito salpicado de batom. Descobri por acaso, remexendo em umas caixas, ainda tem uma dedicatória com a letra dele que diz “com todo carinho, Sargento Carvalho”.
A Tássia ainda teceu os detalhes. Contou que a mãe estava promovendo uma butique de moda feminina e teve a brilhante idéia de organizar um show ao estilo clube de mulheres, muito em voga nos anos noventa. Ela própria assistiu tudo dos bastidores, pois não a deixaram integrar a platéia por ser uma criança. Sempre teve a impressão de que já conhecia o Carvalho de algum lugar. E conhecia.
A história parou o departamento e o pessoal rolava de rir, o Carvalho também, parecia um fato ocorrido com outra pessoa. Foi neste momento que a inusitada cara-de-pau do Carvalho veio à tona. Sem falsa modéstia ele confessou que era muito visado pelas mulheres e, quando surgiu o convite para fazer parte do espetáculo, aceitou com naturalidade, pois estava precisando ganhar uns trocados a mais. Trabalho é trabalho.
Foi uma atitude tão tranqüila que desarmou até os mais cínicos.
Dizem que depois daquele dia, o Carvalho anda todo prosa e percorre o departamento com embalo de quem está desfilando. E soube também que a Tássia passou a sair na carona do Chefinho todas as quartas-feiras, dia em que ela não tem aula na faculdade.

Comentários

Pablog disse…
Meu gde Pai Pai e educador...ia fazer um comentário sobre Sandro Goiano, pois temos essa admiração em comum pelo camisa 8 do Imortal, mas, eis que leio Segredos e tudo muda...tu tá escrevendo cada vez melhor, como se as crônicas fossem uma extensão do Ju que todos nós amamos...textos divertidos, cativantes, de bem, do bem...não tenho assinatura do "É cú du sinos", mas é um grande prazer dar uma espiada nesse blog especial de primeira, segue firme semvergonhoveio!!!!
super abraço.

Postagens mais visitadas deste blog

Ainda Estou Aqui

Com minhas desculpas ao Marcelo Rubens Paiva e ao Walter Salles, me utilizo do título do livro/filme tão em pauta nestes dias que antecedem a entrega do Oscar, para marcar meu retorno à rotina de escrever no meu blog. Foi difícil voltar. A poeira cobriu tudo com grossas camadas e para deixar o ambiente limpo, arejado e propício para este retorno foi preciso uma determinação férrea e uma coerência refletida, qual seja a de retomar o antigo blog e seguir a partir dele, porque o hiato de tempo sumido foi grande, parecia definitivo mas não foi e, ao retomar as crônicas quero preservar o que eu já havia feito. Os tempos mudaram, eu mudei em muitos aspectos, mas ainda sou a mesma pessoa, esta é a coerência que desejo preservar. A grande novidade é que neste ínterim, eu envelheci, não como metáfora mas como fato da vida. Escrevi minhas últimas crônicas aos cinquenta e poucos anos, retorno agora já bem próximo dos setenta, antes em plena atividade profissional e morando em Porto Alegre, agora ...

O Rei, o Mago, o Bardo e o Bobo.

Eles se encontraram por um breve tempo às bordas da floresta alta, nas franjas verdes do grande vale. O Rei, sempre magnânimo com todos que mostravam admiração e simpatia por suas ideias e preleções, contratou o Bobo para escrever suas memórias. O Mago que conhecia o Rei de muitas luas procurava descobrir as conexões emocionais com os novos amigos e celebrar as revelações deste encontro. O Bardo só queria levar suas canções e melodias ao coração de todos, especialmente ao do Rei, para o qual compôs uma bela ode. O Bobo amava os encontros e se divertia em pregar peças no Rei e propor charadas aos companheiros, mas também se emocionava e se encantava com os novos amigos e os seus talentos. Tudo andava de forma mágica e envolvente até o dia em que o Rei, olhou severo para o Bobo e sentenciou:  - Você distorce tudo o que eu digo, duvida de tudo que eu sigo e escreve somente a tua versão das coisas que eu lhe relato! Me sinto desrespeitado e quero que você saiba disso. A partir dali os ...

Velhas fotos coloridas

 Hoje aproveitei a chuva e o tempo gris para remexer nos velhos arquivos fotográficos que a Neca, minha namorada desde as Diretas Já, guarda com todo zelo e carinho. Minha busca, os amigos e os encontros com eles. E lá estavam, uma profusão de conexões, quase todas em celebrações diversas. É incrível como fazíamos festas, a vida era uma festa. E olha que problemas existiam e nunca foram poucos, mas tínhamos a juventude e o seu apetite insaciável por viver e se reunir. As fotos ainda conservam, em sua maioria, um colorido vivo impresso no papel fotográfico. Ninguém portava telefone celular, quando muito uma  câmera fotográfica ou uma filmadora. E a gente dançava, se fantasiava, ia para a praia em bando, comíamos muito, jogávamos qualquer coisa para passar as tardes de chuva enquanto alguém preparava bolinhos, sonhos, bolos e, é claro, pipoca. Bebíamos, éramos beberrões de cerveja, de batidinhas e boa parte de nós, fumava. Alguns, eu entre eles, não somente cigarros. E a gente v...