Pular para o conteúdo principal

Morrer vivo

Falem o que quiserem do Paulo Coelho, mas ninguém pode negar que ele tem um talento especialíssimo para sintetizar boas ideias com originalidade.
Digo isto pensando em uma frase que li outro dia em uma entrevista do nosso controvertido escritor, quando perguntado sobre o que pensava da morte.
- Quero morrer vivo.
Esta foi a resposta do mago das palavras, tido como escritor medíocre por muitos mas para matar a todos de inveja, um sucesso mundial.

Morrer vivo é uma ideia fantástica.
Significa, como ele mesmo explicou, estar ativo e funcional até o último dia.
Algo assim como as recentes mortes do ator José Wilker e do narrador Luciano do Vale.

Quem morre vivo, frita o seu ovo, seu bife e faz o seu cocô sem ajuda alheia até o fim, paga suas contas e cuida da grama do jardim, diretamente ou por delegação direta.
Ontem passei o dia no hospital com minha mãe, um exemplo de obstinada dedicação à individualidade familiar e à liberdade pessoal em vida, agora literalmente presa ao leito com a mente vagando por caminhos perdidos no tempo e no espaço, triste demais e totalmente o oposto do que ela imaginou para o seu fim.

Então me resigno ao compreender que temos menos poder do que imaginamos sobre os imponderáveis desígnios do destino.
Mas em silêncio peço a Deus que não me legue uma herança tão amarga.
Que na minha hora eu possa partir feito o pássaro que, após treinar o movimento de suas asas, se joga do despenhadeiro com a certeza de alçar voo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ainda Estou Aqui

Com minhas desculpas ao Marcelo Rubens Paiva e ao Walter Salles, me utilizo do título do livro/filme tão em pauta nestes dias que antecedem a entrega do Oscar, para marcar meu retorno à rotina de escrever no meu blog. Foi difícil voltar. A poeira cobriu tudo com grossas camadas e para deixar o ambiente limpo, arejado e propício para este retorno foi preciso uma determinação férrea e uma coerência refletida, qual seja a de retomar o antigo blog e seguir a partir dele, porque o hiato de tempo sumido foi grande, parecia definitivo mas não foi e, ao retomar as crônicas quero preservar o que eu já havia feito. Os tempos mudaram, eu mudei em muitos aspectos, mas ainda sou a mesma pessoa, esta é a coerência que desejo preservar. A grande novidade é que neste ínterim, eu envelheci, não como metáfora mas como fato da vida. Escrevi minhas últimas crônicas aos cinquenta e poucos anos, retorno agora já bem próximo dos setenta, antes em plena atividade profissional e morando em Porto Alegre, agora ...

Velhas fotos coloridas

 Hoje aproveitei a chuva e o tempo gris para remexer nos velhos arquivos fotográficos que a Neca, minha namorada desde as Diretas Já, guarda com todo zelo e carinho. Minha busca, os amigos e os encontros com eles. E lá estavam, uma profusão de conexões, quase todas em celebrações diversas. É incrível como fazíamos festas, a vida era uma festa. E olha que problemas existiam e nunca foram poucos, mas tínhamos a juventude e o seu apetite insaciável por viver e se reunir. As fotos ainda conservam, em sua maioria, um colorido vivo impresso no papel fotográfico. Ninguém portava telefone celular, quando muito uma  câmera fotográfica ou uma filmadora. E a gente dançava, se fantasiava, ia para a praia em bando, comíamos muito, jogávamos qualquer coisa para passar as tardes de chuva enquanto alguém preparava bolinhos, sonhos, bolos e, é claro, pipoca. Bebíamos, éramos beberrões de cerveja, de batidinhas e boa parte de nós, fumava. Alguns, eu entre eles, não somente cigarros. E a gente v...

Lucidez na partida

A morte do ator Walmor Chagas em sua casa de campo, sentado na cozinha com o revólver no colo depois de atirar contra a própria cabeça, me faz retornar àquela sempre áspera questão: quanto vale o seguir vivendo a partir de certos limites? Em outubro de 2011, Walmor foi o primeiro entrevistado da jornalista Bianca Ramoneda, do programa Starte, para a série Grandes Atores, como parte das matérias especiais preparadas para comemorar em alto estilo os 15 anos do canal de notícias Globo News. Quem rever a entrevista vai sentir arrepios ao ouvir o ator revelar que “ama tanto a vida que chega a desejar a morte”, fazendo referência a um poema de Carlos Drummond de Andrade. Walmor praticamente antecipou o seu bilhete de despedida quando disse que a morte não o assusta, ao contrário, ele a deseja. “A morte é a libertação do vale de lágrimas que é a vida por melhor que ela seja”. Medo ele tem da doença, da perda das funcionalidades essenciais como andar, comer e ir ao banheiro sozinho...