Pular para o conteúdo principal

Lucidez na partida


A morte do ator Walmor Chagas em sua casa de campo, sentado na cozinha com o revólver no colo depois de atirar contra a própria cabeça, me faz retornar àquela sempre áspera questão: quanto vale o seguir vivendo a partir de certos limites?

Em outubro de 2011, Walmor foi o primeiro entrevistado da jornalista Bianca Ramoneda, do programa Starte, para a série Grandes Atores, como parte das matérias especiais preparadas para comemorar em alto estilo os 15 anos do canal de notícias Globo News.
Quem rever a entrevista vai sentir arrepios ao ouvir o ator revelar que “ama tanto a vida que chega a desejar a morte”, fazendo referência a um poema de Carlos Drummond de Andrade.
Walmor praticamente antecipou o seu bilhete de despedida quando disse que a morte não o assusta, ao contrário, ele a deseja. “A morte é a libertação do vale de lágrimas que é a vida por melhor que ela seja”.
Medo ele tem da doença, da perda das funcionalidades essenciais como andar, comer e ir ao banheiro sozinho, medo ele tem de ficar preso ao próprio corpo.

A jornalista ficou visivelmente impressionada com a beleza e a naturalidade do olhar lançado pelo Walmor sobre sua própria situação, já em curso.
Hoje se sabe que estava beirando à cegueira e se locomovendo em condições precárias. Não existem muitas perspectivas de reverter um abismo destes aos 82 anos, com a vida bem vivida, o talento exercitado e consagrado desde cedo, o espírito solitário, identificado com o estilo de vida interiorano, apreciador da paz, da natureza, da leitura e do ócio. E para não deixar de registrar, fumante inveterado.

É um caso para a estatística dos idosos que se suicidam, mas nada tem a ver com os suicídios de adolescentes ou de pessoas psicóticas em surto.
É acima de tudo uma decisão lúcida ao extremo sobre a própria partida.

Outras pessoas se agarrarão à vida até o último fio de consciência.
Aliás, no caso do Walmor, a consciência esteve presente até o último ato.

Comentários

Anônimo disse…
Vc escreve muito bem meu amigo querido, mas a "extrema decisão" de tirar a vida para mim é covardia da pessoa. Mas cada um com suas decisões.
Anônimo disse…
Tenho como convicção que cometer o suicídio é uma porta que se abre quando todas já se fecharam.
É fazer aquilo que se quer e da forma que se quer pelo menos sem ser hipócrita a ponto de levar para questões religiosas.
Foda-se Deus se vc não quer viver. Os que ficam choramingando a morte do suicida são na verdade, os "apegados" a vida que não lhes pertencia.
Anônimo disse…
Meus queridos... estamos falando de sofrimentos terríveis, angústias e dúvidas que vão muito além do debate ético ou religioso.
É um assunto incômodo e quase me arrependi de postar, mas enfim é um tema que também faz parte da vida.
Mais importante do que a opinião de cada um é o fato de que a gente se importa com o sofrimento do outro.
Abraços... Juarez
Anônimo disse…
Sem falsa hipocresia, cada um sabe o quão pesado é o seu fado e qual é a hora certa para sair de cena...os julgamentos e a perplexidade sempre vem a tona nestas situações, mas a grande verdade, é que cada um sabe onde seu calo aperta. É um tema polêmico, controverso, mas acima de tudo, um ato de extremo desespero e desistência.
Muito bacana este novo layout do blog, muito bons os últimos textos!!

Abraço,
Pablo.

Postagens mais visitadas deste blog

Ainda Estou Aqui

Com minhas desculpas ao Marcelo Rubens Paiva e ao Walter Salles, me utilizo do título do livro/filme tão em pauta nestes dias que antecedem a entrega do Oscar, para marcar meu retorno à rotina de escrever no meu blog. Foi difícil voltar. A poeira cobriu tudo com grossas camadas e para deixar o ambiente limpo, arejado e propício para este retorno foi preciso uma determinação férrea e uma coerência refletida, qual seja a de retomar o antigo blog e seguir a partir dele, porque o hiato de tempo sumido foi grande, parecia definitivo mas não foi e, ao retomar as crônicas quero preservar o que eu já havia feito. Os tempos mudaram, eu mudei em muitos aspectos, mas ainda sou a mesma pessoa, esta é a coerência que desejo preservar. A grande novidade é que neste ínterim, eu envelheci, não como metáfora mas como fato da vida. Escrevi minhas últimas crônicas aos cinquenta e poucos anos, retorno agora já bem próximo dos setenta, antes em plena atividade profissional e morando em Porto Alegre, agora ...

Velhas fotos coloridas

 Hoje aproveitei a chuva e o tempo gris para remexer nos velhos arquivos fotográficos que a Neca, minha namorada desde as Diretas Já, guarda com todo zelo e carinho. Minha busca, os amigos e os encontros com eles. E lá estavam, uma profusão de conexões, quase todas em celebrações diversas. É incrível como fazíamos festas, a vida era uma festa. E olha que problemas existiam e nunca foram poucos, mas tínhamos a juventude e o seu apetite insaciável por viver e se reunir. As fotos ainda conservam, em sua maioria, um colorido vivo impresso no papel fotográfico. Ninguém portava telefone celular, quando muito uma  câmera fotográfica ou uma filmadora. E a gente dançava, se fantasiava, ia para a praia em bando, comíamos muito, jogávamos qualquer coisa para passar as tardes de chuva enquanto alguém preparava bolinhos, sonhos, bolos e, é claro, pipoca. Bebíamos, éramos beberrões de cerveja, de batidinhas e boa parte de nós, fumava. Alguns, eu entre eles, não somente cigarros. E a gente v...