Tio Zeca era um sujeito de bom trânsito entre seus sobrinhos.
Simples, prestativo e sempre disposto a fazer um jogo de canastra ou de escova,
Simples, prestativo e sempre disposto a fazer um jogo de canastra ou de escova,
ele também era um bom contador de histórias, emotivo e às vezes
turrão, mas divertido na maior parte do tempo.
Entre as minhas histórias preferidas do Tio Zeca, estavam as
narrativas que ele fazia sobre os irmãos Arduíno e Armindo, gêmeos semi autistas
que cresceram ignorando quase que totalmente as realidades do mundo externo.
Nunca soube se os gêmeos existiram de verdade, mas suspeito que
sim.
Embora alheios aos enredos da vida exterior, Arduíno e Armindo
passavam horas a fio sentados, lado a lado, no alpendre da sua casa “observando
o movimento”.
Em determinadas ocasiões as pessoas se irritavam com os garotos,
porque no meio de uma conversa séria, Arduíno e Armindo irrompiam em
gargalhadas.
Riam sem parar por vários minutos e quando se olhavam riam ainda
mais, de rolar no chão entre lágrimas e o engasgo do riso convulsivo.
De súbito paravam de gargalhar e se aquietavam sentadinhos com o
olhar perdido em algum lugar misterioso, que somente eles pareciam enxergar.
Quando Tio Zeca me via às gargalhadas com meus primos ou amigos,
pelas razões mais variadas que a infância sabe oferecer, lá vinha ele com o seu
bordão:
- O Arduíno e o Armindo já começaram? Estão adivinhando chuva?
Eu ficava enfurecido, o meu senso de humor custou a se desenvolver
e para mim significava que ele estava me chamado de idiota.
Até era verdade, mas não merecia tanta indignação da minha
parte.
O tempo passou, Tio Zeca já “mandou o Brasil à merda” há muito
tempo e nunca mais eu ouvi falar sobre os gêmeos.
Assim como Arduíno e Armindo, Tio Zeca às vezes também se
alienava com o olhar perdido no infinito e um longo tempo de absoluto silêncio.
Quando o via assim, eu cruzava batido porque ele não prestaria atenção em nada do que eu dissesse. Era uma desconexão muito particular.
Quando o via assim, eu cruzava batido porque ele não prestaria atenção em nada do que eu dissesse. Era uma desconexão muito particular.
Até hoje, quando vejo pessoas às gargalhadas sem um motivo
aparente, penso que o Tio Zeca não perderia a oportunidade de me cutucar e
dizer baixinho:
- Olha ali, o Arduíno e o Armindo! Daqui a pouco estão chorando.
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