Pular para o conteúdo principal

Discurso à Catrefa

Se me for solicitada a fala pública em algum futuro evento da Catrefa, refiro-me a mínima confraria de amigos fantásticos que a vida me proporcionou nas invernadas mais recentes deste meu meio século de existência, pedirei licença para ler o breve discurso que expresso a seguir.

A Catrefa se provou um fenômeno raro nos dias atuais, marcados pelo culto ao individualismo e à competitividade. Na Catrefa estes aspectos não prosperam.
Somos um grupo tão especial e distante das referências triviais de relacionamentos que me faz evocar a estrutura de convívio proposta no filme A Estranha Família de Antônia, produzido na Holanda e ganhador de um Oscar de Filme Estrangeiro.
Assim como na película, a Catrefa acolhe o drama particular de cada integrante sem julgamento e com uma empatia digna de estudos mais avançados.

O núcleo duro da Catrefa, menos de dez integrantes oficiais, já vivenciou a partida existencial da nossa querida madrinha, o luto do seu marido e filhos, a separação matrimonial da nossa amiga loirinha supernova, o infarto do nosso integrante mais trilhado em idade, o drama do amigo mais jovem em seu tratamento contra uma dependência química, a descoberta de um tumor de mama em nossa mais efusiva integrante e o calvário do amigo que cuida da mãe com câncer em fase adiantada.
Isto para ficar nos grandes eventos que, em noventa por cento dos casos, seriam motivos mais que suficientes para esvaziar o ânimo de convivência.
Ao contrário, partes da Catrefa se reúne extra-oficialmente todos os dias e o grupo todo em alguns eventos anuais para comer, beber e conviver.

Hoje me sinto privilegiado por ser um membro da Catrefa e honrado pelo fato de ser um dos fundadores desta confraria onde não existem regramentos, exceto a verdadeira identificação, admiração e respeito pelo outro.
Vejo na Catrefa um embrião da família do futuro, onde não será o parentesco e sim a verdadeira empatia que irá determinar os laços de convívio entre as pessoas.
Quero dizer, as pessoas que acreditam em vínculos legítimos e evoluídos.

A todos da Catrefa, meus sinceros agradecimentos.

Comentários

Julio Bianchi disse…
Muito bom Juarez!
Breve, porém não menos profundo e verdadeiro! Ainda espero conseguir a carteirinha da Catrefa e de alguma forma contribuir com histórias da minha vida!

Postagens mais visitadas deste blog

Chamem David!

Afora ser um dos maiores talentos da pintura francesa de todos os tempos, Jacques Louis David foi sem dúvida o de maior presença nos eventos que mexeram com a vida dos franceses entre a Revolução Francesa e o Império de Napoleão Bonaparte. Um talento que sobreviveu ao seu tempo, mas sob um crivo mais severo: um artista chapa branca. Capaz de aderir a qualquer governo ou ideologia. David retratou as batalhas e símbolos dos anos de afirmação da Revolução Francesa, tão importante que quando alguma coisa espetacular estava por acontecer e merecia um registro pictórico, alguém do núcleo de Robespierre bradava: “chamem David!”. Retratou a morte de Jean Marat de forma esplêndida e, de um jeito que só ele sabia fazer, escapou da guilhotina quando seu protetor Robespierre foi condenado. Caiu nas graças de Napoleão e virou o pintor oficial do novo imperador. Seguiu sendo o pintor oficial da França até que Luís XVIII, irmão do decapitado Luís XVI, assumiu o comando da nação após o e

Só falta você

Ê-ê-ê-ê, só falta você, capricha no samba pra gente vencer! Este era o refrão do samba enredo que o último bloco de carnaval do qual fiz parte, nos meus tempos de juventude e solteirice na cidade de Canela, levou para a competição de blocos do Clube Serrano. O tema escolhido foi Luzes da Ribalta, uma homenagem a Charles Chaplin, eu fui incumbido dos desenhos das alegorias e estandartes, além de atuar como Carlitos em uma cena especialmente feita para a apresentação no clube. Por algum motivo acho que exagerei na dramaticidade, era uma cena inspirada no filme O Garoto, interpretado pelo Paulo Rizzo, pois quando encerramos a performance (que incluía um violinista tocando Smile enquanto a bateria permanecia em silêncio), irromperam os aplausos mas as pessoas choravam copiosamente. Acho que ganhamos o prêmio de criatividade e inovação, mas foi o fim da minha vida de momo. Antes participei de um bloco chamado Inimigos do Ritmo, que assumidamente não era lá estas coisas com ritmo e mar

República do Marais

Passei minha vida administrando muito pouco dinheiro, quando não à beira da mais pura dureza, portanto nunca projetei muitas viagens que não fossem terrestres. Conheço pessoas que amam viajar, quanto mais melhor, e para lugares bem diversos dentro do país ou ao redor do planeta. São descolados, aventureiros e até esportistas, gente que habita aeroportos e hotéis nos quatro cantos do mundo. Muitos viajam por razões profissionais, de forma mais ou menos frequente, enfim é um povo acostumado às viagens, aos diversos climas e fuso-horários. No meu caso, toda viagem é uma tortura que inicia à medida que sua data aproxima. Sou entocado, gosto de ficar em casa e sair de automóvel por perto para voltar logo.  Detesto voar. Sem falar nas esperas em aeroportos. Mas se o destino for Paris, gasto meu último tostão e suporto tudo com resignação. Nos últimos cinco anos, por 17 dias anuais, o bairro do Marais é meu lar em Paris. Isto é simplesmente mágico, o velho casario da Rue Charlot,