Pular para o conteúdo principal

No espelho

Acabo de retornar do café com os amigos da catrefa, nome com que batizamos nosso heterogêneo grupo de convivas que diariamente comparece à divertida mesa do fumódromo, no térreo do prédio onde trabalho.
Hoje discorríamos sobre um fato que é ao mesmo tempo trivial e intrigante, surgido por alguma razão que me foge à memória, que é a questão da imagem que vemos diante do espelho.
Sérgio, André e Eu questionávamos se a imagem espelhada é idêntica a imagem vista por quem nos olha e, após inúmeras elocubrações e tantas incertezas, ficou evidente a dúvida que pairava sobre nossas melhores convicções sobre o evento.

O esclarecimento começou a surgir após imaginarmos nossa própria imagem colocada diante de nós em duas versões: a imagem refletida no espelho e a imagem capturada em vídeo, exibida em uma tela grande ao lado do espelho.
Veríamos a nossa imagem espelhada e outra capturada, ao mesmo tempo. E nos daríamos conta das incríveis diferenças entre as duas projeções.

A começar pelo absurdo de, ao levantar um braço, ver a discordância absoluta entre aquelas duas miragens de si mesmo, uma destra e outra canhota.
A bem da verdade este foi o meu fechamento, pois tudo indica que não houve consenso.

Intrigado com a questão da imagem que o espelho propõe entrei no Google. Digitei três palavras e, diante da lista de opções, cliquei na terceira e fui conferir um artigo sobre o famoso quadro As Meninas, de Diego Velázquez.

Nele o pintor da corte de Felipe IV, na Espanha renascentista, aparece diante de uma grande tela no canto esquerdo da sua pintura, ladeado pela filha do rei e suas acompanhantes, além de um cão deitado no primeiro plano.
Tratava de uma abordagem psicanalítica de Lacan sobre os códigos subjacentes do autor impressos na obra. Ao fundo, no meio de uma galeria de pinturas parece ter um espelho onde se identifica a imagem do casal real, sugerindo que a cena é vista sob o ponto de vista do rei e sua consorte.

Abandonei Lacan lá pelo terceiro parágrafo, mas fiquei impressionado com o sagaz jogo de linguagem retratado por Velázquez. Uma verdadeira obra-prima, cheia de complexidades e significados.
Sagaz em homenagem ao meu amigo André, que outro dia me falou do significado desta palavra na gíria do carioca.

Mas este já é um outro assunto.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Chamem David!

Afora ser um dos maiores talentos da pintura francesa de todos os tempos, Jacques Louis David foi sem dúvida o de maior presença nos eventos que mexeram com a vida dos franceses entre a Revolução Francesa e o Império de Napoleão Bonaparte. Um talento que sobreviveu ao seu tempo, mas sob um crivo mais severo: um artista chapa branca. Capaz de aderir a qualquer governo ou ideologia. David retratou as batalhas e símbolos dos anos de afirmação da Revolução Francesa, tão importante que quando alguma coisa espetacular estava por acontecer e merecia um registro pictórico, alguém do núcleo de Robespierre bradava: “chamem David!”. Retratou a morte de Jean Marat de forma esplêndida e, de um jeito que só ele sabia fazer, escapou da guilhotina quando seu protetor Robespierre foi condenado. Caiu nas graças de Napoleão e virou o pintor oficial do novo imperador. Seguiu sendo o pintor oficial da França até que Luís XVIII, irmão do decapitado Luís XVI, assumiu o comando da nação após o e

Só falta você

Ê-ê-ê-ê, só falta você, capricha no samba pra gente vencer! Este era o refrão do samba enredo que o último bloco de carnaval do qual fiz parte, nos meus tempos de juventude e solteirice na cidade de Canela, levou para a competição de blocos do Clube Serrano. O tema escolhido foi Luzes da Ribalta, uma homenagem a Charles Chaplin, eu fui incumbido dos desenhos das alegorias e estandartes, além de atuar como Carlitos em uma cena especialmente feita para a apresentação no clube. Por algum motivo acho que exagerei na dramaticidade, era uma cena inspirada no filme O Garoto, interpretado pelo Paulo Rizzo, pois quando encerramos a performance (que incluía um violinista tocando Smile enquanto a bateria permanecia em silêncio), irromperam os aplausos mas as pessoas choravam copiosamente. Acho que ganhamos o prêmio de criatividade e inovação, mas foi o fim da minha vida de momo. Antes participei de um bloco chamado Inimigos do Ritmo, que assumidamente não era lá estas coisas com ritmo e mar

República do Marais

Passei minha vida administrando muito pouco dinheiro, quando não à beira da mais pura dureza, portanto nunca projetei muitas viagens que não fossem terrestres. Conheço pessoas que amam viajar, quanto mais melhor, e para lugares bem diversos dentro do país ou ao redor do planeta. São descolados, aventureiros e até esportistas, gente que habita aeroportos e hotéis nos quatro cantos do mundo. Muitos viajam por razões profissionais, de forma mais ou menos frequente, enfim é um povo acostumado às viagens, aos diversos climas e fuso-horários. No meu caso, toda viagem é uma tortura que inicia à medida que sua data aproxima. Sou entocado, gosto de ficar em casa e sair de automóvel por perto para voltar logo.  Detesto voar. Sem falar nas esperas em aeroportos. Mas se o destino for Paris, gasto meu último tostão e suporto tudo com resignação. Nos últimos cinco anos, por 17 dias anuais, o bairro do Marais é meu lar em Paris. Isto é simplesmente mágico, o velho casario da Rue Charlot,