Pular para o conteúdo principal

O psicólogo

A grande vantagem de não ser crítico autorizado de nada é a liberdade de expressar a própria opinião sem ter que cumprir os cânones da erudição.

Um bom exemplo disto é um filme que achei fantástico e, ao comentar com uma amiga que é minha referência para compreender cinema e literatura, obtive a singela explicação de que se tratava de um roteiro dos mais óbvios, característico drama que os estúdios cinematográficos americanos costumam produzir em suas esteiras.
Eita Ana Rita, baixinha desgramada, que sempre diz tudo de um jeito que me deixa abestado.

Pior, ela está certa, mas continuei gostando do filme. A tal película, com o título de O Psicólogo, tem um protagonista à beira de um surto depressivo, casualmente o referido psicólogo. Mas assim mesmo o pobre diabo atende seus clientes todos os dias. Ocorre que o homem está com um remorso terrível pelo suicídio da esposa, sofrendo tanto a perda que não consegue nem entrar no quarto do casal. Dorme nas cadeiras da sua piscina com a mesma roupa que voltou das ruas, tendo os vestígios do quanto bebeu e fumou espalhados ao seu lado. O cara é rico, só atende celebridade de Hollywood, os bacanas de Beverly Hills e um que outro emergente da indústria cultural.
O ator é o Kevin Spacey, aquele de Os Suspeitos e de Beleza Americana.
Os clientes sofrem com todo tipo de neurastenia que o Analista Bagé só não curaria na primeira sessão, que é pro vivente pagar um pouco mais pelo valor do serviço.
É a cara deste mundo babaca que cerca a gente. Ricos mimados, psicopatas que vem fazendo carreiras meteóricas, velhos em crise, mulheres lindas com casamento e vida pessoal despedaçados, enfim, só bebendo pra aturar tanto louco.
Pois o que me fez valorizar tanto este filminho foi esta simples sacada de exibir o quanto a superficialidade se tornou um valor importantíssimo na cultura contemporânea.

E o cara ali, ajudando como pode, com problema pior que dor de dente e crise de hemorróida.
Mas quando tudo parece perdido, o pai dele, também psicólogo, aparece e empurra um caso para que ele atenda e, meio a contragosto, aceita. Ali começará a sua redenção.
Quanto vejo este tipo de "realidade", volto a me dar conta da extrema e cruel solidão que carregamos como seres humanos, mesmo vivendo com todo o conforto material nas grandes cidades, com dinheiro e sucesso, ou não.
Por isto valorizo toda e qualquer pessoa que me trate bem sem se esforçar muito.

Cresci lendo Seleções do Reader’s Digest e assistindo filme na Sessão da Tarde, as mais variadas produções dos filmes “b” do cinema e os filmes para televisão.
Com o tempo compreendi porque este hábito ancestral comprometeu meu discernimento crítico de forma quase irreversível. Mas graças a Deus, tenho a Ana Rita e a Neca para me guiarem neste breu.

Comentários

Mariano disse…
Bom...por ser este um filme com o Mr. Spacey, já merece minha atenção. Fica a dica. Vou assistir.
Quanto à questão da superficialidade, esta é a razão que me fez parar de assistir televisão há tempos. A programação televisiva e os personagens que a fazem funcionar parecem ser de um padrão similar aos de esteiras de fábricas. Sempre as mesmas histórias e enredos; sempre a superficialidade presente.

Abraço

Postagens mais visitadas deste blog

Chamem David!

Afora ser um dos maiores talentos da pintura francesa de todos os tempos, Jacques Louis David foi sem dúvida o de maior presença nos eventos que mexeram com a vida dos franceses entre a Revolução Francesa e o Império de Napoleão Bonaparte. Um talento que sobreviveu ao seu tempo, mas sob um crivo mais severo: um artista chapa branca. Capaz de aderir a qualquer governo ou ideologia. David retratou as batalhas e símbolos dos anos de afirmação da Revolução Francesa, tão importante que quando alguma coisa espetacular estava por acontecer e merecia um registro pictórico, alguém do núcleo de Robespierre bradava: “chamem David!”. Retratou a morte de Jean Marat de forma esplêndida e, de um jeito que só ele sabia fazer, escapou da guilhotina quando seu protetor Robespierre foi condenado. Caiu nas graças de Napoleão e virou o pintor oficial do novo imperador. Seguiu sendo o pintor oficial da França até que Luís XVIII, irmão do decapitado Luís XVI, assumiu o comando da nação após o e

Só falta você

Ê-ê-ê-ê, só falta você, capricha no samba pra gente vencer! Este era o refrão do samba enredo que o último bloco de carnaval do qual fiz parte, nos meus tempos de juventude e solteirice na cidade de Canela, levou para a competição de blocos do Clube Serrano. O tema escolhido foi Luzes da Ribalta, uma homenagem a Charles Chaplin, eu fui incumbido dos desenhos das alegorias e estandartes, além de atuar como Carlitos em uma cena especialmente feita para a apresentação no clube. Por algum motivo acho que exagerei na dramaticidade, era uma cena inspirada no filme O Garoto, interpretado pelo Paulo Rizzo, pois quando encerramos a performance (que incluía um violinista tocando Smile enquanto a bateria permanecia em silêncio), irromperam os aplausos mas as pessoas choravam copiosamente. Acho que ganhamos o prêmio de criatividade e inovação, mas foi o fim da minha vida de momo. Antes participei de um bloco chamado Inimigos do Ritmo, que assumidamente não era lá estas coisas com ritmo e mar

República do Marais

Passei minha vida administrando muito pouco dinheiro, quando não à beira da mais pura dureza, portanto nunca projetei muitas viagens que não fossem terrestres. Conheço pessoas que amam viajar, quanto mais melhor, e para lugares bem diversos dentro do país ou ao redor do planeta. São descolados, aventureiros e até esportistas, gente que habita aeroportos e hotéis nos quatro cantos do mundo. Muitos viajam por razões profissionais, de forma mais ou menos frequente, enfim é um povo acostumado às viagens, aos diversos climas e fuso-horários. No meu caso, toda viagem é uma tortura que inicia à medida que sua data aproxima. Sou entocado, gosto de ficar em casa e sair de automóvel por perto para voltar logo.  Detesto voar. Sem falar nas esperas em aeroportos. Mas se o destino for Paris, gasto meu último tostão e suporto tudo com resignação. Nos últimos cinco anos, por 17 dias anuais, o bairro do Marais é meu lar em Paris. Isto é simplesmente mágico, o velho casario da Rue Charlot,