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Cadáveres no palco

A nova onda na metrópole é “ver ao vivo” os cadáveres polimerizados de doadores chineses, que ficarão em cartaz em um grande shopping por várias semanas (Corpo Humano - Real e Fascinante).
Tudo indica que a peculiar exposição fará enorme sucesso.
Em um almoço de domingo com amigos, o assunto emergiu em meio às opções de filmes a se conferir nos cinemas e ganhou contornos de a sensação do momento.
Descobri ser a única pessoa presente que não pretende visitar este espetáculo em que ciência e arte se combinam em uma inédita aula de anatomia para leigos.

Não tenho nenhuma restrição moral, religiosa ou intelectual ao conteúdo da mostra.
Pelo contrário, até acho uma idéia respeitável e capaz de interessar muita gente, mas eu sou um ser humano avesso à visão do nosso conteúdo muscular, circulatório e bofes em geral. Jamais poderia ser médico, quanto mais um cirurgião.
Posso fazer um curativo em um ferimento, aplicar injeção na falta de uma enfermeira e socorrer uma pessoa passando mal, sem o menor terror. Doei sangue várias vezes com naturalidade.
Mas daí a ter curiosidade por observar entranhas humanas e os efeitos das doenças sobre elas, é algo que ultrapassa de longe o meu gosto pessoal.
Sou bem mais interessado nos mistérios da loucura humana, nos caminhos tortuosos da emoção e nas fantasias de toda ordem, que tanto podem produzir o belo quanto os mais trágicos efeitos em nossas vidas. Minha morbidez é mais freudiana, existencial por extensão.
Ficarei no aguardo da mostra Dr. Jekyll e Mr. Hyde para comprar meu ingresso.

De momento estou mais interessado em não perder a Festa do Pinhão, que acontecerá em São Francisco de Paula, lá pelo meio do outono. Quero provar e aprender preparar um churrasco de pinhão com carne de gado e porco. Já me falaram que é excelente.
Também quero almoçar naquela churrascaria que assa o boi na vala, pertinho do Lago São Bernardo. Depois fazer um passeio preguiçoso nas margens do açude para baixar a refeição e respirar aquele ar puro da serra.
Meu apreço por entranhas é bem específico, costela, vazio e picanha com um tom dourado e aquele aroma irresistível que vem da churrasqueira e acorda a fome da gente de mansinho, enquanto a prosa se desenvolve ao sabor de uma cachaça boa e uns goles de chimarrão. Entre a contemplação de cadáveres humanos emborrachados e carne fresca de boi gordo, eu prefiro a segunda opção. Além de ser muito mais bonito, o verdadeiro espetáculo é devorar a obra.

Comentários

Anônimo disse…
Oi Ju...tua aversão é ver gente magra! Não vem com onda de Freud.

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