Pular para o conteúdo principal

Plano B

A vida é incerta em quase todos os sentidos. Então o jeito é ter um Plano B para encarar a realidade quando o nosso Plano A sair do controle.
A profissão, por exemplo, às vezes a carreira não decola, aquele emprego estável e bem-remunerado nunca chega, a posição de destaque alcançada a duras penas dentro da empresa desaparece em um programa de demissões ou o empreendimento próprio despenca numa espiral vertiginosa. Enfim, tudo pode acontecer.
Melhorar de vida é coisa fácil de se acostumar, mas perder o status conquistado e ver minguar as perspectivas pessoais é um desafio extremo que pode levar à depressão, ou, em casos extremos, até acabar com a vida das pessoas.

Um bom Plano B precisa contemplar o ajuste rápido ao rompimento de uma, ou mais, das bases que estruturam nossas vidas. Na teoria parece simples.
É preciso considerar ainda que sucesso financeiro e profissional, embora importantes, são apenas parte da estrutura que dá suporte às nossas existências.
Outros aspectos são fundamentais à realização pessoal, tais como a harmonia familiar, as condições de saúde, o convívio social e as expectativas de futuro.
Além do mais, a realidade costuma subverter o roteiro imaginado em nossos sonhos, porque o primeiro lugar, a saúde inabalável, a melhor oportunidade, os amigos mais interessantes, a esposa mais perfeita e tudo aquilo que é objeto do desejo comum, não costuma contemplar a maioria.
Assim a gente conquista algumas coisas, outras não, mas é pelo conjunto da obra que se mede o grau de realização individual, além de um detalhe vital: a satisfação.

De nada adianta ter uma saída alternativa para a derrocada de uma posição de conforto, mesmo que bem planejada, se a gente não conseguir se libertar da frustração que a perda da condição anterior é capaz de imprimir em nossas mentes.
Fiz amizade com o porteiro de um prédio comercial onde eu trabalhava, uma boa pessoa já na casa dos sessenta anos, que não conseguia apreciar o seu serviço por conta de uma profunda mágoa com a perda do antigo nível profissional, um bem-sucedido vendedor de uma multinacional. O revés deixou seqüelas emocionais, um sentimento negativo ao se ver executando uma “tarefa menor”, quando deveria estar desfrutando da aposentadoria que imaginara. Para ele, o fato de viver com uma renda baixa era um tormento menor do que a sua amargura pela perda do antigo status.

Em outro caso, um conhecido meu começou sua carreira com destaque em uma instituição bancária e, por motivos que desconheço, perdeu seu ótimo emprego. Tudo indicava que sua recolocação no mercado de trabalho seria natural e rápida, mas o tempo foi passando e o seu antigo sucesso nunca mais se repetiu. Enquanto esperava sua sorte mudar, tentou empreender e não prosperou, passou então a colaborar com empresas, cada vez menos organizadas, muitas vezes sem receber, mas nas quais podia ostentar um título de “diretor”. Esta vaidade virou a sua obsessão.

Eu imagino o meu Plano B e até um Plano C, mas tenho impressão de que é além dos planos de contingência que se encontra a verdadeira fonte da sobrevivência. Suspeito que somente com humildade é que se pode ver a vida em sua real dimensão, se ainda assim ela mantiver o seu encanto, então poderemos reinventar nossa história.

Comentários

Anônimo disse…
Plano B também é trocar a foto do Blog!!!

Postagens mais visitadas deste blog

Chamem David!

Afora ser um dos maiores talentos da pintura francesa de todos os tempos, Jacques Louis David foi sem dúvida o de maior presença nos eventos que mexeram com a vida dos franceses entre a Revolução Francesa e o Império de Napoleão Bonaparte. Um talento que sobreviveu ao seu tempo, mas sob um crivo mais severo: um artista chapa branca. Capaz de aderir a qualquer governo ou ideologia. David retratou as batalhas e símbolos dos anos de afirmação da Revolução Francesa, tão importante que quando alguma coisa espetacular estava por acontecer e merecia um registro pictórico, alguém do núcleo de Robespierre bradava: “chamem David!”. Retratou a morte de Jean Marat de forma esplêndida e, de um jeito que só ele sabia fazer, escapou da guilhotina quando seu protetor Robespierre foi condenado. Caiu nas graças de Napoleão e virou o pintor oficial do novo imperador. Seguiu sendo o pintor oficial da França até que Luís XVIII, irmão do decapitado Luís XVI, assumiu o comando da nação após o e

Só falta você

Ê-ê-ê-ê, só falta você, capricha no samba pra gente vencer! Este era o refrão do samba enredo que o último bloco de carnaval do qual fiz parte, nos meus tempos de juventude e solteirice na cidade de Canela, levou para a competição de blocos do Clube Serrano. O tema escolhido foi Luzes da Ribalta, uma homenagem a Charles Chaplin, eu fui incumbido dos desenhos das alegorias e estandartes, além de atuar como Carlitos em uma cena especialmente feita para a apresentação no clube. Por algum motivo acho que exagerei na dramaticidade, era uma cena inspirada no filme O Garoto, interpretado pelo Paulo Rizzo, pois quando encerramos a performance (que incluía um violinista tocando Smile enquanto a bateria permanecia em silêncio), irromperam os aplausos mas as pessoas choravam copiosamente. Acho que ganhamos o prêmio de criatividade e inovação, mas foi o fim da minha vida de momo. Antes participei de um bloco chamado Inimigos do Ritmo, que assumidamente não era lá estas coisas com ritmo e mar

República do Marais

Passei minha vida administrando muito pouco dinheiro, quando não à beira da mais pura dureza, portanto nunca projetei muitas viagens que não fossem terrestres. Conheço pessoas que amam viajar, quanto mais melhor, e para lugares bem diversos dentro do país ou ao redor do planeta. São descolados, aventureiros e até esportistas, gente que habita aeroportos e hotéis nos quatro cantos do mundo. Muitos viajam por razões profissionais, de forma mais ou menos frequente, enfim é um povo acostumado às viagens, aos diversos climas e fuso-horários. No meu caso, toda viagem é uma tortura que inicia à medida que sua data aproxima. Sou entocado, gosto de ficar em casa e sair de automóvel por perto para voltar logo.  Detesto voar. Sem falar nas esperas em aeroportos. Mas se o destino for Paris, gasto meu último tostão e suporto tudo com resignação. Nos últimos cinco anos, por 17 dias anuais, o bairro do Marais é meu lar em Paris. Isto é simplesmente mágico, o velho casario da Rue Charlot,