Pular para o conteúdo principal

Postagens

Chamem David!

Afora ser um dos maiores talentos da pintura francesa de todos os tempos, Jacques Louis David foi sem dúvida o de maior presença nos eventos que mexeram com a vida dos franceses entre a Revolução Francesa e o Império de Napoleão Bonaparte. Um talento que sobreviveu ao seu tempo, mas sob um crivo mais severo: um artista chapa branca. Capaz de aderir a qualquer governo ou ideologia. David retratou as batalhas e símbolos dos anos de afirmação da Revolução Francesa, tão importante que quando alguma coisa espetacular estava por acontecer e merecia um registro pictórico, alguém do núcleo de Robespierre bradava: “chamem David!”. Retratou a morte de Jean Marat de forma esplêndida e, de um jeito que só ele sabia fazer, escapou da guilhotina quando seu protetor Robespierre foi condenado. Caiu nas graças de Napoleão e virou o pintor oficial do novo imperador. Seguiu sendo o pintor oficial da França até que Luís XVIII, irmão do decapitado Luís XVI, assumiu o comando da nação após o e
Postagens recentes

Flanando

Paris a pé. Nada mais natural do que andar a pé na capital francesa, tanto que eles criaram uma palavra para o praticante desta modalidade de deslocamento, o flâneur. A cidade histórica tem um diâmetro aproximado de 11 quilômetros, sendo um pouco mais longa no sentido leste/oeste e um pouco mais curta na direção sul/norte. Para quem chega pela primeira vez o que tira o fôlego não são as distâncias, mas a beleza que está em qualquer ponto para onde se dirija o olhar. Caminhar em Paris é como estar dentro de uma obra de arte arquitetônica sem similares, pois não se trata de um bairro que preserva as características de 200 anos ou mais, é uma cidade inteira. O traçado principal do fluxo de automóveis e dos quarteirões habitacionais ainda é o mesmo legado por Napoleão III e o Barão Hausmann no tempo das carruagens, afora isso existem vias ainda mais antigas, medievais. Tudo com um suporte poderoso de tecnologias que tratam esgotos e canalizam redes elétricas, telefônicas e gás.

O bosque dos imortais.

Há quem goste de explorar cemitérios históricos, eu inclusive. O Père Lachaise é, provavelmente, o campo santo [sempre gostei desta expressão para designar cemitério] mais famoso do mundo e aquele que concentra a maioria de grandes nomes desde o Século XIX até os dias de hoje. Fica a leste de Paris, no 20º arrondissement, com várias estações de metrô nas suas imediações, ou aproximadamente 50 minutos de caminhada partindo do marco zero da cidade, na Île de la Cité, em frente da Catedral Notre-Dame. Bem verdade que ele tem um concorrente importante do outro lado do Rio Sena, o Cemitério de Montparnasse, onde ficam os túmulos de Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Charles Baudelaire, Marguerite Duras e Serge Gainsbourg, entre outros. Mesmo assim, o plantel do Père Lachaise é imbatível. Caminhando pelas suas alamedas arborizadas e adentrando nos seus caminhos mais íntimos, o visitante vai se deparando com a morada eterna de gente como Chopin, Balzac, Proust, Delacroix, Apo

República do Marais

Passei minha vida administrando muito pouco dinheiro, quando não à beira da mais pura dureza, portanto nunca projetei muitas viagens que não fossem terrestres. Conheço pessoas que amam viajar, quanto mais melhor, e para lugares bem diversos dentro do país ou ao redor do planeta. São descolados, aventureiros e até esportistas, gente que habita aeroportos e hotéis nos quatro cantos do mundo. Muitos viajam por razões profissionais, de forma mais ou menos frequente, enfim é um povo acostumado às viagens, aos diversos climas e fuso-horários. No meu caso, toda viagem é uma tortura que inicia à medida que sua data aproxima. Sou entocado, gosto de ficar em casa e sair de automóvel por perto para voltar logo.  Detesto voar. Sem falar nas esperas em aeroportos. Mas se o destino for Paris, gasto meu último tostão e suporto tudo com resignação. Nos últimos cinco anos, por 17 dias anuais, o bairro do Marais é meu lar em Paris. Isto é simplesmente mágico, o velho casario da Rue Charlot,

Ensaiando a ruptura

Maio de 1997. Hoje eu deveria estar comemorando meu quadragésimo segundo aniversário. Sei que meus amigos esperaram aquela chamada avisando do churrasco que deveria se iniciar lá pelas oito e meia da noite, também de que não deveriam levar presentes e sim alguma bebida para garantir a alegria etílica do encontro. Costumavam ser assim minhas comemorações nos últimos anos, nem lembro   quantos com essa turma. Mas desta vez, uma angústia difusa me fez sumir, já com alguns dias de antecedência. Rodei sem um destino definido, apontei o carro na direção das montanhas e depois de uns trezentos quilômetros, já exausto, parei na primeira pousada que avistei da estrada. Cravada em uma pequena elevação, a casa de madeira com alpendre simpático e três araucárias bem ao lado da porta principal, me pareceu adequada e silenciosa. Manobrei para o pequeno estacionamento com piso forrado de pedrinhas de basalto e escolhi uma vaga no abrigo simples tipo meia água, onde haviam dois carro

O ringue

Naqueles dias que fechavam a década de 1960 eu pouco sabia do que se passava nas grandes cidades. Ainda não havia tevê na minha casa e a cidade onde vivia era muito pouco conectada a Porto Alegre, exceto pelas viagens de ônibus que demoravam quase cinco horas para perfazer os cento e poucos quilômetros que separavam nosso cotidiano bucólico da agitação da capital. Haviam alguns poucos ricos que já tinham grandes propriedades de veraneio na serra e, nos breves contatos em que as crianças nativas podiam estabelecer com eles, nos falavam das belezas da metrópole e de suas viagens para terras estrangeiras em navios e aviões que cruzavam o oceano. Os dias eram longos e preenchidos com as aulas matinais, as tardes de trabalho na fábrica de camas para ajudar no orçamento doméstico, o futebol no campinho forrado de serragem de madeira e os passeios pelas matas próximas em busca de pinhão e à caça de passarinhos [naquela época os guris caçavam com suas fundas os pobres e desavisados sab

Só falta você

Ê-ê-ê-ê, só falta você, capricha no samba pra gente vencer! Este era o refrão do samba enredo que o último bloco de carnaval do qual fiz parte, nos meus tempos de juventude e solteirice na cidade de Canela, levou para a competição de blocos do Clube Serrano. O tema escolhido foi Luzes da Ribalta, uma homenagem a Charles Chaplin, eu fui incumbido dos desenhos das alegorias e estandartes, além de atuar como Carlitos em uma cena especialmente feita para a apresentação no clube. Por algum motivo acho que exagerei na dramaticidade, era uma cena inspirada no filme O Garoto, interpretado pelo Paulo Rizzo, pois quando encerramos a performance (que incluía um violinista tocando Smile enquanto a bateria permanecia em silêncio), irromperam os aplausos mas as pessoas choravam copiosamente. Acho que ganhamos o prêmio de criatividade e inovação, mas foi o fim da minha vida de momo. Antes participei de um bloco chamado Inimigos do Ritmo, que assumidamente não era lá estas coisas com ritmo e mar