Naqueles dias que fechavam a década de 1960 eu pouco sabia do que se passava nas grandes cidades. Ainda não havia tevê na minha casa e a cidade onde vivia era muito pouco conectada a Porto Alegre, exceto pelas viagens de ônibus que demoravam quase cinco horas para perfazer os cento e poucos quilômetros que separavam nosso cotidiano bucólico da agitação da capital. Haviam alguns poucos ricos que já tinham grandes propriedades de veraneio na serra e, nos breves contatos em que as crianças nativas podiam estabelecer com eles, nos falavam das belezas da metrópole e de suas viagens para terras estrangeiras em navios e aviões que cruzavam o oceano. Os dias eram longos e preenchidos com as aulas matinais, as tardes de trabalho na fábrica de camas para ajudar no orçamento doméstico, o futebol no campinho forrado de serragem de madeira e os passeios pelas matas próximas em busca de pinhão e à caça de passarinhos [naquela época os guris caçavam com suas fundas os pobres e desavisados sab
Escrever é uma forma de fotografar a própria alma e ao ler a si próprio, depois, é possível que o autor nos cause grande estranheza.