Conta-se que Pablo Picasso em seus verdes anos, pintava muito, ganhava pouco e gastava por conta do futuro. Mesmo na penúria mantinha uma cozinheira a seus serviços e a fazia encarar o açougueiro do vilarejo com suas compras generosas e as promessas de pagamento para dali a poucos dias. Tanto foi que o homem deixou de achar divertido o engodo do seu devedor e a mandou cobrar Picasso, caso ele quisesse manter o seu crédito. Pablo juntou uma dúzia de esboços e os entregou a cozinheira com o recado de que este era o seu pagamento por ora. A moça, que imagino fosse matreira e jeitosa ou a perfeita idiota, cumpre seu mando e entrega um envelope bem caprichado para o boquiaberto comerciante. Ele examina o material e, magnânimo, ainda a deixa levar as compras do dia, mas quando ela se virava para sair, ele a detém mansamente, “ei moça, por favor, leva isto para o mestre e diga a ele que é o troco”. E alcança à mulher três pedaços de embrulho com algumas garatujas feitas por ele.
Escrever é uma forma de fotografar a própria alma e ao ler a si próprio, depois, é possível que o autor nos cause grande estranheza.