Tio Zeca era um sujeito de bom trânsito entre seus sobrinhos. Simples, prestativo e sempre disposto a fazer um jogo de canastra ou de escova, ele também era um bom contador de histórias, emotivo e às vezes turrão, mas divertido na maior parte do tempo. Entre as minhas histórias preferidas do Tio Zeca, estavam as narrativas que ele fazia sobre os irmãos Arduíno e Armindo, gêmeos semi autistas que cresceram ignorando quase que totalmente as realidades do mundo externo. Nunca soube se os gêmeos existiram de verdade, mas suspeito que sim. Embora alheios aos enredos da vida exterior, Arduíno e Armindo passavam horas a fio sentados, lado a lado, no alpendre da sua casa “observando o movimento”. Em determinadas ocasiões as pessoas se irritavam com os garotos, porque no meio de uma conversa séria, Arduíno e Armindo irrompiam em gargalhadas. Riam sem parar por vários minutos e quando se olhavam riam ainda mais, de rolar no chão entre lágrimas e o engasgo do riso convulsivo.
Escrever é uma forma de fotografar a própria alma e ao ler a si próprio, depois, é possível que o autor nos cause grande estranheza.