Ele viveu exatos quatorze anos, seis meses e dezesseis dias. Gorbi era um pastor-alemão de pelagem muito negra e os olhos amarelados de lobo. Seu pelo não era propriamente preto, se aproximava mais do grafite, sendo quase preto, com fios grossos e espetados na garupa e macios nas laterais do tronco. Muito grande, belo e assustador, mas absolutamente tranqüilo. Certa vez interrompi nossa corrida dominical pelo parque, sim o Gorbi também era meu companheiro de malhação, para assistir um grupo de patinadores que iniciava uma apresentação ao ar livre. Mantive-o preso à guia, imediatamente às minhas costas, quando de repente ouvi o grito desesperado de uma mulher. Seu bebê com pouco mais de um aninho havia se afastado da mãe e caíra sobre o Gorbi, agarrando-se ao focinho do cão. Naturalmente a mãe previu o pior. Mas o Gorbi apenas grunhiu baixinho e tascou uma lambida molhada na cara da criança. Virou o herói do parque, reunindo mais público para ver o “lobo bom” do que o show de patinação.
Escrever é uma forma de fotografar a própria alma e ao ler a si próprio, depois, é possível que o autor nos cause grande estranheza.